Hereditário (2018) - Análise - Toni Collete arrebatadora em um terror perturbador!
Por: Rudnei Ferreira
Fazer um filme de terror que seja realmente bom não é uma tarefa fácil. Para cada ótimo filme como ''O Exorcista'', ''A Bruxa'' e ''Invocação do Mal'', temos uma leva de filmes medíocres que se apagam aos clichês do gênero para assustar o público, mas se esquecem de algo mais primordial para um filme: o roteiro. E na maioria das vezes, até em sua função básica que é assustar, esses filmes falham consideravelmente. É como na comédia, outro gênero cinematográfico dificílimo, que dá para contar nos dedos os exemplares que são realmente bons e nos fazem rir de verdade. Afinal, fazer rir é um dom e nem todo mundo é capaz de criar humor sem parecer forçado e sem graça. No caso do terror, além dos três filmes citados acima, felizmente uma vez ou outra somos agraciados com ótimos filmes, que mesmo sendo clichês na maioria das vezes, cumpre muito bem a sua função, entregando algo de qualidade.
James Wan é um dos nomes notáveis dentro do terror atual. Ele é o produtor da franquia ''Invocação do Mal'' que se iniciou com o primeiro ''Invocação do Mal'' em 2013, sob a sua direção. Robert Eggers é outro cineasta talentoso e muito promissor. Demonstrando imenso talento na arte de evocar uma atmosfera genuína de terror no já citado ''A Bruxa'', o cineasta repetiu o feito no incrível ''O Farol'', com Robert Pattinson e Willem Dafoe. Mas não é sobre eles que quero falar aqui hoje, mas sim de outra grande promessa do cinema de terror da atualidade. Ari Aster e seu perturbador e brilhante ''Hereditário'', que é na minha opinião, um dos melhores filmes de terror dessa nova leva do gênero. A um tempo atrás, ''Hereditário'' já havia aparecido aqui no blogue em uma lista pessoal onde listei, na minha opinião, ''Os Dez Melhores Filmes de Terror do Cinema''. Agora, é hora de entrar em mais detalhes sobre essa obra intensa que foi a estreia de Ari Aster na direção de um longa cinematográfico.
A trama narra a história de uma família que está de luto depois de perderem alguém muito importante. Tentando superar o lamentável acontecimento, eles procuram seguir com suas vidas, mesmo que as coisas tenham mudado. Porém, depois que outra tragédia pessoal acontece, não demora para que a mãe Annie (Toni Collete) comece a notar estranhos acontecimentos, não apenas em sua casa, mas também no seu cotidiano. Essa atmosfera sinistra passa a atormentar a todos na família, que cada vez mais presenciam algo sinistro ao seu redor.
Com talento e um olhar afiado, Ari Aster faz de ''Hereditário'' um baita filme de terror. Isso porque o diretor, que também assina o roteiro, nos guia por uma jornada apavorante, estranha e atormentadora em vários sentidos. Desde a primeira cena, já fica a sensação de algo estranho e fora do comum. Mas é no decorrer da narrativa que o filme vai deixando uma série de pistas e mensagens, criando no espectador a constante sensação de dúvida, nos fazendo questionar o que estamos vendo em cena e imaginando o que ainda pode estar por vir. A história nos guia por vários caminhos, e quando pensamos que o filme vai se render aos clichês baratos do gênero, é ai que ele puxa o nosso tapete e surpreende. Ari Aster sabe o que quer mostrar e quando é o momento certo para mostrar. Muitas vezes, a simples sugestão de algo aterrorizante já causa incômodo devido a atmosfera do momento. E quando algo realmente chocante é exibido, várias vezes é de forma breve, mas com o tempo suficiente de exibição na tela para que deixe todo o impacto necessário. E pode ter certeza que vai causar o impacto necessário na maioria dos que estão assistindo. Sim, o filme tem violência e algumas cenas dignas de tirar o sono daqueles que se impressionam com facilidade. Mas a proposta de Aster é entregar um terror mais psicológico, onde a sugestão de algo atormentador vale mais do que a exposição em si. Claro que existem mais filmes por ai que superam ''Hereditário'' nessa questão, porém, o longa de Ari Aster bebe bastante dessa fonte, de maneira satisfatória e bem executada. Essa é a essência do terror, coisas que filmes como ''O Farol'', ''A Bruxa'' e o australiano ''O Babadook'' fizeram tão bem. Esse tipo de filme de terror muitas vezes causa uma estranheza e até mesmo decepção naqueles que estão acostumados com o terror tradicional e cheio de repetições. ''Hereditário'' não escapou disso, já que justamente por fazer parte dessa leva de filmes, foi bastante elogiado pelos críticos, mas dividiu a opinião do público. Ser clichê e repetitivo ainda rende sim obras muito boas, mas ter filmes como ''Hereditário'' e os demais exemplos citados acima que se arriscam em ser diferentes, é algo sempre muito bem vindo para o gênero.
Todo esse clima sinistro do filme ainda dá espaço para o drama familiar, ao mostrar uma família despedaçada psicologicamente devido aos trágicos acontecimentos pelos quais eles tiveram que se submeter. E é através desse ponto que o roteiro fala de luto, trauma, culpa, arrependimento e o quanto esses elementos vão afetando os personagens, ao ponto de levá-los a beira da loucura e aos limites da sanidade mental. O nível de imersão do roteiro é tanto que a cada novo acontecimento aterrador, o público sente de verdade pelos personagens, pois tudo é muito natural e tais personagens são competentemente bem desenvolvidos pelo roteiro.
''Hereditário'' tecnicamente também é muito bom. A fotografia é belíssima, criando contrastes perfeitos que ilustram o clima intenso e sinistro do filme. O trabalho de montagem é ótimo, pois ela corta nos momentos certos, em uma altura que o espectador já está bem impactado com o que viu antes do corte. O diretor deixa sua câmera em pontos estratégicos, cujas lentes acabam focando em um detalhe sinistro ou uma aparição inesperada, ao ponto do espectador ser pego de surpresa em momentos arrepiantes. Ela se movimenta com suavidade pela casa da família, que tem um aspecto bem sombrio, reflexo da proposta da história. A edição de som é muito bem trabalhada, cujo o mínimo som pode fazer pular da cadeira, ao ponto de um determinado som feito por um dos personagens causar um frio na espinha por causa de todo o contexto e ideia por trás.
A ótima performance de todo o elenco contribui para a carga dramática e carregada do filme. A mais notável de todas é Toni Collete absolutamente fantástica. A atriz entrega um desempenho assustador. Suas reações são muito reais e a personagem é um mar de sensações e sentimentos, o que faz com que ela seja imprevisível, deixando no espectador a dúvida se o que está acontecendo com ela é real ou tudo não passa de paranoias da sua mente. A atriz está tão sensacional que é uma pena que ela não tenha recebido uma indicação ao Oscar em 2019, sendo completamente esnobada. As vezes, o preconceito da academia por certas produções não a permite reconhecer grandes talentos. Milly Shapiro e Alex Wolff também entregam atuações arrepiantes. A garota deixa no público uma sensação de desconforto por causa da sua aparência diferente e suas ações no mínimo estranhas. Em seu primeiro trabalho no cinema, Shapiro não decepciona, tendo como o auge de sua interpretação uma das cenas mais assustadoras e grotescas do filme. Já Alex Wolff é a perfeita personificação da culpa, do trauma e do desespero. ver o seu personagem sofrendo com essas situações no decorrer do longa é bem incômodo e o jovem ator dá conta do recado na sua função de passar esse incômodo para o público. O veterano Gabriel Byrne, embora em um papel menor, é muito importante, pois ele é o elo de equilíbrio entre a sanidade e a loucura. Um elenco forte que se entrega de corpo e alma nas interpretações. E olha que nessas produções, atuação nunca é o ponto forte, mas ''Hereditário'' nos mostra que um filme de terror pode ser muito bom não apenas no roteiro mas também nas performances do seu elenco.
''Hereditário'' é um terror enervante e perturbador, com cenas e imagens que ficam gravadas na mente e causam arrepios. Com um elenco forte e entregue, especialmente da sua protagonista, a estreia de Ari Aster no cinema resultou em um dos melhores filmes do terror moderno. É garantia de sustos e uma atmosfera sinistra muito bem arquitetada, cuja cada cena é de arrepiar os cabelos. Para os amantes do terror, é uma baita recomendação.
Nota: ★★★★★★★★★★ 10
HEREDITÁRIO (HEREDITARY - 2018) - Suspense/Drama/Terror, 127 minutos. ESCRITO E DIRIGIDO POR: Ari Aster. ELENCO: Toni Collete, Milly Shapiro, Alex Wolff, Gabriel Byrne, Ann Dowd. CLASSIFICAÇÃO: 16 anos. NOTA NO ROTTEN TOMATOES: 89%
CURIOSIDADES
- O filme foi o primeiro dirigido por Ari Aster. O sucesso do filme permitiu que o diretor escrevesse e dirigisse o seu segundo longa de terror ''Midsommar: O Mal Não Espera a Noite'' de 2019.
- A atriz Toni Collete certa vez disse que não iria mais fazer filmes pesados e sombrios, como foi o caso do filme ''O Sexto Sentido'', longa do diretor M. Night Shyamalan que ela estrelou ao lado de Bruce Willis e Haley Joel Osment. No entanto, a atriz gostou tanto do roteiro de ''Hereditário'' que ela não recusou o convite para protagonizar o filme.
- O corte original do filme tinha mais de 3 horas de duração. Essa versão continha mais diálogos entre os personagens principais, mas foram retirados no corte que foi para o cinema.
- Ari Aster chegou a pedir que Alex Wolff e Milly Shapiro saíssem para comer fora dos set de filmagens caracterizados como o seus personagens no filme como maneira de ver a reação das pessoas.
- O filme é o reencontro de Alex Wolff e do veterano ator Gabriel Byrne que voltaram a trabalhar juntos depois de interpretarem pai e filho na série da HBO ''Em Terapia'' de 2008. No filme de Ari Aster, eles voltaram a ser pai e filho de novo.
- Como forma de se preparar para escrever o roteiro de ''Hereditário'', Ari Aster criou uma biografia com detalhes de cada um dos personagens.
- Ari Aster deu preferência para os efeitos práticos, como maquiagem, bonecos, próteses e cabos. Ao longo do filme, somente um efeito criador por computação gráfica é notado.
- O longa foi produzido pelo estúdio A24, que também ficou responsável por outros filmes de terror como ''A Bruxa'', ''O Farol'' e ''Midsommar'' do próprio Ari Aster, mas também de dramas como o ganhador do Oscar ''Moolight: Sob a Luz do Luar'', ''Joias Brutas'', ''A Ghost History'', entre outros.
- ''Hereditário'' também foi a estreia no cinema da jovem atriz Milly Shapiro.
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