Cidade Invisível (Série Original Netflix - 2021) - Análise - O Folclore Brasileiro para adultos!




 Por: Rudnei Ferreira


O Folclore Brasileiro é de uma riqueza cultural inestimável. É a cultura do nosso país representada através de mitos, lendas e histórias fascinantes que atravessaram gerações. Um conteúdo que permanece vivo até os dias de hoje, graças a Deus. Muitas pessoas, incluindo este que vos escreve, cresceram ouvindo esses mitos, histórias e lendas sobre criaturas e entidades mágicas que vivem entre nós. Afinal, quem nunca ouviu falar dos personagens que fazem parte desse rico universo do folclore brasileiro como o Saci-Pererê, a sereia Iara, a Mula-Sem-Cabeça, a Cuca, o Boto-Cor-de-Rosa, o Curupira, entre tantos outros. Personagens de um universo que durante anos e décadas inspirou crianças e jovens a terem prazer pela leitura. Inspiração até mesmo para um dos maiores escritores da literatura brasileira: Monteiro Lobato, o autor das encantadoras histórias do ''Sítio do Pica-Pau Amarelo'', que além dos livros, também fez sucesso na tela da televisão brasileira. 

Porém, mesmo reconhecendo que a obra de Monteiro Lobato é muito importante devido ao seu imenso valor cultural e sua valorização do tema, eu sempre achei que as histórias do nosso folclore mereciam uma abordagem mais séria e sombria, com um conteúdo mais voltado para o público adulto. Pois bem, e felizmente, esse desejo foi atendido. Isso porque, a Netflix Brasil traz tudo isso e um pouco mais em sua série ''Cidade Invisível''. Criada por ninguém menos que Carlos Saldanha, conhecido por dirigir filmes de sucesso como as animações ''A Era do Gelo'' e ''Rio'', a produção brasileira do serviço de Streaming mistura investigação policial com os elementos fantasiosos do folclore. O resultado disso é uma produção ambiciosa, bem feita e com uma proposta muito boa. Sem dúvida, vale a pena conferir. 





A trama se passa no Rio de Janeiro nos dias de hoje. Eric (Marco Pigossi), um detetive da Policia Ambiental e pai da pequena Luna (Manuela Dieguez), ainda sofre pela perda da sua esposa Gabriela (Julia Konrad) que foi vítima de um incêndio criminoso. Depois que o corpo de um Boto-Cor-de-Rosa é encontrado na praia, Eric acaba se envolvendo em uma investigação criminal cercada de mistérios. Nessa situação, ele descobre um mundo mágico invisível, habitado por seres místicos e entidades poderosas do folclore, que se adaptaram para viver em nosso mundo. Porém, com a sombra de um terrível mal, o detetive e esses seres fantásticos terão de se preparar para o pior. 

Imagine só se as famosas lendas e mitos que ouvíamos quando éramos crianças realmente fossem reais? Se criaturas mágicas como o Saci-Pererê, a Cuca, a Iara e o Curupira na verdade existissem em nosso mundo, escondidos do resto da humanidade e vivendo iguais a nós? É com essa premissa que o carioca Carlos Saldanha trabalha na trama de ''Cidade Invisível''. Mesmo que ainda explore as crendices populares e resgate toda a fantasia que envolve a imagem essas entidades folclóricas, o roteiro aposta em uma abordagem mais realista, trazendo esses personagens para a nossa realidade e com características visuais e de personalidade diferentes das que estamos acostumados. Eles se adaptaram para o nosso mundo, comportando-se como pessoas normais, se escondendo e evitando usar seus poderes e habilidades, e quando usam, fica só entre eles. O roteiro acerta em cheio com essa proposta, pois faz uma repaginada no folclore para que esses personagens se encaixem na proposta do enredo, que também envolve temas como assassinato, investigação policial, preconceitos e dramas familiares. Ou seja, é a realidade que vemos e vivemos todos os dias, mas agora com seres folclóricos no meio das situações cotidianas. A própria trama brinca com isso, ao fazer esses personagens do folclore mostrarem que o que está escrito nos livros, que contam suas histórias, seja bem diferente das suas verdadeiras condições, dentro da proposta da série. E isso é muito legal, pois atiça a nossa mente para imaginar como seria se de fato esses seres até então fictícios se revelassem reais para o mundo. E Carlos Saldanha manda bem ao fugir da infantilidade das lendas originais apostando em algo mais sério e adulto. Aqui, é o folclore para os adultos, dark, realista e sombrio, da melhor maneira possível, mas sem deixar de lado a fantasia. 






A trama leva um tempo para se desenvolver. O roteiro procura antes estabelecer a sua premissa e quais serão os personagens que farão parte dela, o que pode afetar um pouco o ritmo da série. Por conta do realismo proposto pelo enredo, é difícil identificar de imediato que figuras folclóricas tais personagens representam. Isso só fica claro no decorrer da história. Os episódios se preocupam muito mais em desenvolver o seu protagonista, seus dramas pessoais e sua missão, o que é muito bom, pois é através dele que iremos embarcar nessa jornada entre o mundo real e o mundo da fantasia. Mesmo assim, estabelecido quem são os personagens folclóricos, um melhor aprofundamento sobre eles dentro da série seria bem vindo. Mas honestamente, não é nada que tire o mérito e a qualidade do texto de Raphael Draccon e Carolina Munhóz. Isso porque, os últimos três episódios são bem satisfatórios, onde o ritmo muda significativamente para algo mais empolgante, com reviravoltas interessantes e acontecimentos bem legais. Na verdade, todos os 7 episódios que fazem parte dessa primeira temporada funcionam perfeitamente, onde um complementa bem o outro. 

Outro detalhe que merece muitos elogios é a qualidade de produção. A proposta da trama é muito boa, o roteiro é bem escrito, os episódios contam com uma boa direção e são visualmente muito bons e os efeitos visuais são de altíssimo nível, não devendo nada para as grandes produções hollywoodianas. Ao ver a qualidade e o capricho desses efeitos, fica impossível não sentir vergonha de outros exemplos dentro da teledramaturgia brasileira que também trabalharam com temas fantasiosos como a novela ''Os Mutantes'', cujo os efeitos visuais eram deploráveis e de baixíssimo nível. Cito a novela como exemplo porque ''Cidade Invisível'' está ai para provar que o Brasil é sim capaz de entregar um excelente trabalho de produção com o tema. Tudo depende do tempo e do investimento. Existem momentos pontuais para admirar esses belíssimos efeitos visuais. Porém, é de encher os olhos as sequências que mostram os poderes da Cuca, o famoso redemoinho de vento do Saci e todo o visual do Curupira quando está em ação no meio da mata. Realmente muito bom mesmo. 






O elenco é ótimo, onde cada um dos atores e atrizes envolvidos com o projeto dão um show. Os destaques ficam para Marco Pigossi mandando bem como o protagonista. Sua boa atuação resulta na construção de um personagem abalado emocionalmente, além da culpa que carrega em seu interior por só valorizar depois de perder. É um protagonista bem humano, cujo o roteiro e a interpretação do ator convencem. E o elenco que dá vida as versões mais humanas e realistas das entidades folclóricas não ficam atrás no quesito talento, boas atuações e comprometimento. Alessandra Negrine está ótima como a Cuca, mais sombria, charmosa e ameaçadora. Jéssica Córes, muito bonita como a sereia Iara. Além de atuar bem, é dona de uma belíssima voz, o que é pertinente e necessário para representar um dos maiores dons da Mãe D'água, além da beleza. Wesley Guimarães como o Saci tem carisma, além de um bom senso de humor. E Fábio Lago está impagável como uma das melhores versões que eu já vi do Curupira nas telas. Vale a pena mencionar as boas participações de Tainá Medina, José Dumont e Thaia Perez. 

''Cidade Invisível'' reformula as lendas do folclore nacional, com suas crenças e tradições culturais para se encaixar em uma proposta mais realista e humana. Com um bom roteiro que mistura fantasia, ação e temas cotidianos, a série da Netflix tem tudo para ser um grande sucesso entre os assinantes da plataforma de Streaming. Além disso, é a demonstração perfeita do carinho e respeito que Carlos Saldanha tem pela cultura brasileira, e por isso, tanto ele quanto a história aqui contada merecem todo o meu respeito. Um grande acerto da plataforma, que traz em seu catálogo de produções nacionais mais uma bela, ambiciosa, cuidadosa e caprichada produção. E que venha uma segunda temporada! 

Nota: ★★★★★★★★★ 9




CIDADE INVISÍVEL (2021) - Aventura/Ação/Fantasia. 7 Episódios de 39 a 45 minutos cada. / CRIAÇÃO: Carlos Saldanha. - ELENCO: Marco Pigossi, Alessandra Negrini, Julia Konrad, Fábio Lago, Jéssica Córes, Tainá Medina, Rafael Sieg, Thaia Perez, José Dumont, Samuel de Assis. CLASSIFICAÇÃO: 16 Anos. 



CURIOSIDADES: 

* ''Cidade Invisível'' é uma criação do cineasta e produtor carioca Carlos Saldanha. O brasileiro fez muito sucesso em Hollywood por ser o Codiretor dos filmes de animação ''A Era do Gelo'' (2002) e ''Robôs'' (2005) e o diretor de ''A Era do Gelo 2'' (2006), ''A Era do Gelo 3'' (2009), ''Rio'' (2011), ''Rio 2'' (2014) e ''O Touro Ferdinando'' (2017). 

* Os episódios da primeira temporada foram gravados na cidade de Ubatuba, em São Paulo e no Rio de Janeiro. As filmagens se iniciaram e foram finalizadas no ano de 2019, bem antes da pandemia da COVID-19. 

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