A Bruxa (2015) - Análise - Robert Eggers nos apresenta a verdadeira essência do Terror!
Por: Rudnei Ferreira
O cineasta americano Robert Eggers já pode ser considerado um dos diretores mais promissores da Hollywood moderna. Atualmente, seu nome se destacou dentro do mercado cinematográfico depois que ele dirigiu ''O Farol'', aclamado filme de terror estrelado por Robert Pattinson e Willen Dafoe. Injustamente esquecido na cerimônia do Oscar 2020, o longa recebeu apenas uma indicação a estatueta dourada na categoria de ''Melhor Fotografia'', o que foi uma indicação justa, porém, merecia muitas outras indicações e muito mais reconhecimento. O fato é que o longa já pode ser considerado um clássico moderno.
Mas, para quem não está familiarizado com o seu nome, antes de ''O Farol'', o diretor foi o responsável por outra obra-prima do terror moderno. Estou me referindo ''A Bruxa'', filme de estreia do cineasta, que assim como ''O farol'' é um longa imperdível, sendo que ambos já foram inseridos na minha lista dos ''Melhores Filmes de Terror de Todos os Tempos'' e não foi a toa. Embora tenha recebido excelentes avaliações da crítica especializada, ''A Bruxa'' dividiu a opinião do público, entre aqueles que adoraram (como é o meu caso) e aqueles que detestaram o filme. Mesmo que reconheça que o longa não foi feito para agradar a todos os públicos, é impossível desmerecer a obra e não reconhecer e apreciar todas as suas virtudes e qualidades.
A trama se passa durante o século 17, onde uma família com forte influência religiosa é expulsa do vilarejo onde moram. Mudando-se para uma fazenda que se encontra na beira de uma misteriosa floresta, suas vidas sofrem resoluções desagradáveis a partir do momento que o seu bebê desaparece misteriosamente. Toda culpa cai sobre a filha primogênita, a jovem Thomasin (Anya Taylor-Joy), que tenta provar sua inocência. Porém, estranhos acontecimentos parecem persegui-la. Tal acontecimento é apenas o início para que tramas macabras e assustadoras tomem conta do local e envolva todos eles.
Em meio a tantos filmes clichês que apelam para sustos fáceis para esconder suas histórias medíocres, encontrar um filme como ''A Bruxa'' é motivo mais do que suficiente para agradecer que ainda seja possível encontrar bons filmes dentro do gênero. Isso porque Robert Eggers entrega em sua estreia como diretor um longa inteligente, imersivo, inovador, provocativo e surpreendente. Ao longo de um pouco mais de 1 hora e meia, a direção e o roteiro assinados por Eggers invocam uma atmosfera de horror e suspense sufocantes e a constante sensação de que algo de errado paira no ar, através de uma atmosfera sombria brilhantemente bem conduzida e bem construída. Ao invés de apelar para sustos telegrafados e clichês batidos para assustar o seu público, Eggers prefere manipular os nervos e o sentido do espectador com o excelente uso de sombras, silhuetas, vultos, barulhos estranhos e luzes. Tudo é mais sugerido do que realmente mostrado, mas quando finalmente é decidido exibir uma sequência mais pesada e perturbadora, o público é pego de surpresa, pois já está completamente imerso e preso na atmosfera carregada do longa. Você não sabe o que esperar e nem de onde esperar. Simplesmente sente que tem alguma coisa estranha e errada que pode acontecer a qualquer momento. O que fez com que muitos torcessem no nariz para o filme é que a trama possui um ritmo calmo e lento, sem pressa para desenvolver sua narrativa. Outro grande acerto do filme, pois assim, esse ritmo leva o tempo necessário para envolver e mergulhar a audiência em seu impactante conteúdo. Mais do que um filme de terror complexo e bem feito, ''A Bruxa'' aborda temas como a dor da perda e da culpa, fé e fanatismo religioso, espiritualidade, amadurecimento e o martírio daqueles que vivem presos nas sombras de seus próprios pecados e demônios interiores. Disfarçado como terror, o filme é um grandioso estudo de personagens e das condições da natureza humana. E mesmo que o ritmo seja demasiado lento para alguns, Robert Eggers entende sua história, sabendo muito bem o que quer fazer e como deseja contá-la, onde nada do que é exibido em cena fica sobrando e muito menos faltando. Sabe quando você ouvia histórias na infância, onde ao ouvir, era preciso imaginar e projetar as cenas na sua cabeça? É exatamente isso que ''A Bruxa'' pretende. Um filme que entrega as peças e cabe ao público montar o quebra-cabeças para tentar descobrir se o que está vendo é real ou não.
Vamos falar das técnicas audiovisuais do longa. Assim como no roteiro, Robert Eggers não faz feio na qualidade da produção. Para convencer como uma história que se passa no século 17, o filme trabalha muitos bem aspectos como o figurino de seus personagens e a cenografia. Além disso, a cinematografia se aproveita dos cenários e iluminação naturais, que transmitem assim, mais realismo ao longa. A fotografia, utilizando principalmente tons sombrios e cinzentos, da ao lugar um aspecto assustador e frio, contribuindo para a sensação de que ali é um lugar perigoso onde ninguém precisaria estar. Os planos de câmera são muito bons e muitas vezes focam somente nos olhares e expressões dos personagens, deixando de mostrar o que eles estão vendo e aguçando os sentidos do público para imaginar o que está diante dos olhos deles. A trilha sonora evocativa, com seus timbres que vão se intensificando, é desconfortável no bom sentido e manipulativa, dando um arrepio ao escutar. A montagem é fantástica, com cortes precisos, o que ajuda na intenção do filme de saber o que mostrar e o que apenas sugerir. Além do roteiro, sons e imagens são necessários para o filme deixar sua marca, e o resultado é bem satisfatório e marcante.
As atuações são impressionantes e de uma competência enorme de todo o elenco. Quem rouba a cena é Anya Taylor-Joy que mesmo sendo jovem, encarna uma personagem difícil em um papel desafiador. Seu olhar expressivo tem muito a dizer e suas atitudes formam suas principais características. Existe um misto de inocência e mistério em torno dela que hipnotiza e prende a atenção do espectador, muito por conta da entrega da atriz ao papel. Anya já apresentava aqui um vislumbre do seu talento interpretativo. Um talento que a faria futuramente ser requisitada em outros filmes e séries. Os personagens de Ralph Ineson e Kate Dickie são o retrato perfeito do que o fanatismo religioso exagerado é capaz de fazer, ainda mais na época em que a trama se passa. Harvey Scrimshaw não entrega nada exatamente impressionante em sua performance. Porém, ele é o protagonista de uma cena arrepiante, próximo do final do longa. É um bom elenco que dá vida a personagens típicos da época, movidos por suas crenças e pelas suas consciências. O filme tem um desenvolvimento excelente e suas ações e situações acabam em um desfecho macabro, porém exato e pontual, deixando o público impressionado e assombrado com o que acabou de ver.
''A Bruxa'' é um respiro de alívio para o gênero de terror que está cada vez mais saturado por filmes clichês e repetitivos. É um terror inovador, corajoso pela maneira como aborda os seus temas e como manipula o público através da sugestão do horror, pois afinal, o medo do desconhecido é muitas vezes mais apavorante e causa mais impacto do que algo absurdamente explicito. Para quem esperar ver algo tradicional e familiar, pode sair desapontado pela quebra de expectativas. Mas para quem busca algo novo e desafiante, encontrará no longa de Robert Eggers um dos melhores exemplares do gênero nos últimos anos.
Nota: ★★★★★★★★★★ 10
A BRUXA (THE WITCH - 2015) - Terror/Suspense, 93 minutos. / ESCRITO E DIRIGIDO POR: Robert Eggers. - ELENCO: Anya Taylor-Joy, Ralph Ineson, Kate Dickie, Harvey Scrimshaw, Sarah Stephens, Daniel Malik. CLASSIFICAÇÃO: 16 Anos. NOTA NO ROTTEN TOMATOES: 90%
CURIOSIDADES:
* A premissa de ''A bruxa'' se baseia em contos e relatos antigos verdadeiros sobre casos de bruxaria que ocorreram principalmente na Inglaterra.
* O escritor Stephen King, considerado por muitos um verdadeiro mestre na literatura de terror, afirmou que ficou extremamente assustado ao assistir ao longa, sendo considerado por ele um dos melhores filmes do gênero.
* O filme foi muito elogiado por um templo satânico. Jex Blackmore, famosa ativista satanista viu no longa de Robert Eggers uma impressionante apresentação da visão satânica dentro da discussão da religião na atualidade.
* Robert Eggers disse que a pergunta que mais lhe faziam era se algo de estranho e sobrenatural aconteceu durante as filmagens do longa. De acordo com ele, absolutamente nada.
* O tempo de duração das filmagens foram de apenas 25 dias
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