Coringa (2019) - Análise - Um grande choque de realidade!


 Por: Rudnei Ferreira


O Coringa é provavelmente um dos maiores personagens do universo da DC. Criando em 1940 pelos talentosos Jerry Robinson, Bill Finger e Bob Kane, o palhaço do crime se tornou um dos maiores vilões e inimigos do Batman nos quadrinhos. A incrível aceitação do público fez com que o vilão fizesse várias aparições dentro do universo do Homem-Morcego, sendo uma das mais icônicas na  trama de ''Batman: A Piada Mortal'', publicada pela primeira vez em 1988. A obra é descrita por muitos fãs como uma das melhores do universo do Batman, ganhando até uma adaptação para as telas no formato de animação em 2016. Sua primeira aparição no cinema aconteceu em 1989, um ano depois do lançamento de ''A Piada Mortal'', no filme ''Batman'', dirigido por Tim Burton. Jack Nicholson ficou marcado no papel do vilão e é até hoje lembrado com muito carinho pelos fãs. Porém, 19 anos depois, o saudoso Heath Ledger fez história ao roubar a cena em ''Batman: O Cavaleiro das Trevas'' com uma performance extraordinária na pele do vilão. Sua atuação como Coringa foi tão icônica que ele inclusive chegou a ganhar um Oscar Póstumo de Melhor Ator Coadjuvante, já que Heath infelizmente faleceu pouco tempo depois do fim das filmagens. Mesmo assim, sua atuação excepcional como o palhaço do crime jamais será esquecida, já que muitos fãs e admiradores, e eu me incluo nessa, o consideram o melhor intérprete do Coringa até hoje. 

Oito anos depois, Jared Leto tento se igualar a Heath Ledger e até mesmo Jack Nicholson ao trazer a sua versão para o personagem em 2016 no criticado ''Esquadrão Suicida''. Porém, a decepção foi grande, já que Leto, que apesar de  é ser um grande ator, não teve tempo para desenvolver o vilão nas telas. Valeu pela tentativa, mas não tem como negar que o seu Coringa é a pior versão já levada para o cinema. Agora, mais recentemente em 2019, o sádico vilão ganhou mais uma oportunidade de brilhar na tela, dessa vez sob a atuação do ótimo Joaquim Phoenix. E para a nossa alegria e alívio, o filme ''Coringa'' dirigido por Todd Philips, não apenas devolveu a glória cinematográfica ao personagem como também trouxe uma atuação magistral de Phoenix, o que lhe garantiu um merecido Oscar. 





A trama se concentra em Arthur Fleck (Joaquim Phoenix), um homem simples mas atormentado por problemas psicológicos que o transformam em alguém de temperamento instável e atitudes inesperadas. Com a mãe doente, ele tenta levar  sua vida infeliz como pode em uma Gothan City caótica e sombria, mas sofre constantes humilhações e é ridicularizado por causa das suas condições físicas e principalmente mentais. Diante de tantas injustiças e maquinações do sistema, Arthur se rebela e aos poucos vai liberando dentro de si uma alto persona que o fará cometer atos extremos e chocantes. Tais atos irão desencadear uma série de consequências para a cidade e para ele próprio. 

As versões cinematográficas anteriores traziam para o Coringa uma pegada bem dos quadrinhos. Ainda assim, Heath Ledger representou muito bem a visão realista que o diretor Christopher Nolan tinha para o palhaço do crime de Gothan. Porém, Todd Philips foi um pouco mais além nessa questão do realismo, fazendo do Coringa de Joaquim Phoenix uma pessoa comum e sofrida, que poderia muito bem ser qualquer um de nós. Arthur Fleck é gente como a gente e isso nos aproxima profundamente do personagem. Com um roteiro ousado, extremamente pesado e genial, ''Coringa'' desconstrói  a imagem do icônico vilão e dos demais elementos presentes no universo do Batman ao aposta em um clima mais cru e impactante, usando o personagem para fazer uma fortíssima critica social, denunciando os males da sociedade, a manipulação das massas e os extremos da natureza humana. O protagonista é uma vítima dessa sociedade podre, violenta e manipulativa, onde ninguém se importa com ninguém, com a alta sociedade se beneficiando da mentira sem realmente se importar com as classes mais humildes, injustiçadas e esquecidas. Além disso, por causa da mídia que ajuda impor a população o que é certo e o que é errado, o julgamento de quem é bom e quem é mal depende do ponto de vista de cada um. 

''Coringa'' fala da loucura humana, mostrando até que ponto uma pessoa é capaz de chegar quando está no limite da sua sanidade mental. Se o limite é ultrapassado, coisas terríveis e assustadoras podem acontecer. E é com essa premissa pesada que o filme impressiona com sua temática. É um grande choque de cultura e um tremendo soco no estômago, pois nos faz avaliar e refletir sobre o seu conteúdo que infelizmente vai muito além de ser apenas um filme baseado em histórias em quadrinhos. Desde ''Watchmen'', ''V de Vingança'' e até mesmo a trilogia ''Batman'' de Christopher Nolan, nunca um filme baseado em heróis e vilões das HQs conseguiu fazer paralelos tão intensos e pesados com a realidade, e isso é fantástico. Na verdade, certos elementos do filme causaram polêmica por supostamente servirem de gatilho para atos violentos e criminosos, o que fez com que muitos acusassem o longa de incitar a violência. De fato, o filme de Todd Phillips é sim bem violento, onde algumas cenas mais gráficas e explicitas podem perturbar e incomodar os mais sensíveis. Mas é justamente através da violência que a trama deixa a sua mensagem poderosamente crítica. É realmente uma pena que pessoas de mente vazia entendam errado essa mensagem e usem o filme como desculpa para cometer atos terríveis.






O filme é também uma obra de arte quando o assunto é produção. A cinematografia é muito bem realizada, apresentando uma Gothan City mais suja, sombria e realista, nos moldes das grandes cidades da vida real. O trabalho de fotografia é excepcional, onde as cores ilustram o temperamento e o estado de humor do protagonista. Os tons mais sombrios e escuros geralmente são inseridos quando Arthur está melancólico, triste e depressivo. Quando ele se liberta de suas amarras emocionais e se transformar no Coringa, a paleta de cores mais alegre traz a tona um humor mais ácido e divertido para a sua personalidade. Essa variação de cores e tons são muito bem trabalhados em sequências muito bem dirigidas, com planos e movimentação de câmera precisos e chamativos. A trilha sonora tem a mesma função da fotografia na questão de criar parâmetros com as mudanças emocionais do protagonista, tendo variações em suas notas no decorrer do longa.  A violência impressiona e choca em vários momentos, graças a alta classificação do filme que o confirma definitivamente como uma produção totalmente voltada para os adultos. 

Todos esses aspectos cinematográficos fazem de ''Coringa'' um ótimo filme, mas ele só fica completo por causa de Joaquim Phoenix com uma atuação magistral, uma das melhores de sua carreira, onde o ator surpreende o público com sua aparência extremamente magra e de aspecto doente. Além disso, a ideia por trás da sua risada é muito interessante, pois ela não representa a sua alegria. A usá-la como um distúrbio emocional, enxergamos no personagem toda a sua tristeza, dor e sofrimento. Sua linguagem corporal é extraordinária, onde ele muitas vezes não precisa dizer uma só palavra para demonstrar o que sente, em uma performance muito realista e natural. Joaquim Phoenix nos oferece através do seu trabalho interpretativo impecável um excelente estudo de personagem. Toda a jornada de Arthur Fleck e posteriormente o Coringa trazem inspirações de ''Taxi Driver'' do diretor Martin Scorsese. Ao comparar os dois filmes, é possível encontrar muitas semelhanças entre o longa de Todd Phillips e o clássico de Scorsese. Joaquim Phoenix está absolutamente fantástico, sendo que o seu Oscar de Melhor Ator foi um dos mais justos dos últimos tempos. 

Como as semelhanças com ''Taxi Driver'' são nítidas, a participação de Robert De Niro faz muito sentido, já que ele é o protagonista desse clássico do cinema, sendo mais uma homenagem de Todd Phillips. Embora apareça pouco, seu personagem é a personificação perfeita da manipulação midiática. Brett Cullen traz uma versão menos otimista em torno da figura de Thomas Wayne e a bela Zazie Beetz funciona como o interesse amoroso do protagonista. O filme termina no tom certo e seu desfecho é memorável e porque não dizer, arrepiante. 






Todd Phillips e Joaquim Phoenix trouxeram em ''Coringa'' um perfeito retrato da sociedade moderna, cuja a intenção do filme é despertar comentários e reflexões sobre o seu conteúdo, nos fazendo se questionar quem são os verdadeiros heróis e vilões na sociedade. Como eu disse, é tudo uma questão de opinião e ponto de vista. Cabe a cada um determinar isso. É um filme corajoso, ousado, chocante e absolutamente genial que o eleva com tudo ao status de clássico moderno instantâneo. Comparações entre Heath Ledger e Joaquim Phoenix serão inevitáveis. Mas o que realmente importa é que ambos desempenharam excelentes trabalhos dentro de suas propostas. No entanto, foi a versão de Phoenix a mais audaciosa, pois sua realidade vai muito além de uma história ficcional e esse é o seu grande triunfo, o que o torna um filme imperdível e inesquecível!

Nota: ★★★★★★★★★★ 10




CORINGA (JOKER - 2019) - Suspense/Drama, 122 minutos. ESCRITO, PRODUZIDO E DIRGIDO POR: Todd Phillips. ELENCO: Joaquim Phoenix, Robert De Niro, Zazie Beetz, Frances Conroy, Brett Cullen, Glenn Fleshler, Leigh Gill. CLASSIFICAÇÃO: 16 anos. NOTA NO ROTTEN TOMATOES: 70%

CURIOSIDADES: 

  • Originalmente, a Warner Bros queria Leonardo DiCaprio no papel do Coringa e Martin Scorsese na direção. Porém, isso não foi possível para nenhum dos dois. Isso porque DiCaprio estava ocupado com as filmagens de ''Era Uma Vez em...Hollywood'' do diretor Quentin Tarantino. Já Martin Scorsese estava dirigindo ''O Irlandês'' para a Netflix. Robert De Niro foi o único que conseguiu intercalar as gravações, fazendo parte ao mesmo tempo de ''O Irlandês'' e ''Coringa''. 
  • A intenção dos realizadores era distanciar ''Coringa'' o máximo possível do Universo Cinematográfico estabelecido por filmes como ''Batman vs Superman'', ''Mulher Maravilha'' e ''Aquaman''. Não é a toa que o logo da DC aparece somente no final dos créditos finais. 
  • ''Coringa'' é o segundo filme da DC e Warner que recebeu uma classificação indicativa para maiores de idade depois de ''Watchmen'' (2009). Enquanto o filme de Zack Snyder recebeu a classificação de 18 anos, o longa de Todd Phillips e Joaquim Phoenix foi classificado para maiores de 16 anos. 
  • O filme foi um grande sucesso quando foi exibido no Festival de Veneza. Tanto que os espectadores aplaudiram de pé por oito minutos. 
  • (Alerta de Spoilers) - A icônica cena do Coringa descendo as escadarias dançando foi gravada em uma locação real de Nova York. Depois que o filme foi lançado, o local virou um ponto turístico. 
  • A atriz Frances McDormand, vencedora do Oscar pelos filmes ''Fargo'',  ''Três Anúncios Para um Crime'' e o recente ''Nomadland'', foi escalada para interpretar a mãe do protagonista. No entanto, ela desistiu do papel, o deixando disponível para a sua xará Frances Conroy. 
  • De acordo com Joaquim Phoenix, a parte mais difícil de interpretar o Coringa foi encontrar o tom certo para a risada do personagem. 
  • O ator perdeu 23 quilos para interpretar o protagonista Arthur Fleck. 
  • Joaquim Phoenix foi o segundo a ator a levar um Oscar por interpretar o Coringa. O primeiro foi Heath Ledger pelo filme ''Batman: O Cavaleiro das Trevas'' do qual ele foi premiado com um Oscar póstumo. 

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