Nomadland (2020) - Análise - Frances McDormand rouba a cena neste drama sensível e poético!
Por: Rudnei Ferreira
Como bem sabemos, a situação mundial não está nada fácil. Com a pandemia provocada pelo avanço do COVID-19, praticamente todos os setores foram afetados, tanto da saúde quanto da economia. Porém, muitos antes de todo esse caos, a situação econômica de um pais como o Brasil já era um problema bem sério. Mas o fato é que problemas como esse já estão marcados na história da humanidade, afinal, para quem conhece um pouco da história deve ter ouvido falar da famosa crise de 1929, cuja muitas pessoas foram afetadas pela queda das ações na bolsa de valores. Ou seja, tais problemas não são novidades.
''Nomadland'' traz em seu enredo justamente essa questão. Baseado no livro escrito por Jessica Bruder, o longa escrito e dirigido pela chinesa Chloé Zhao tem como um dos temas principais essa questão politica econômica, o que fez com que muitas pessoas optassem por uma vida sem regras, construída a sua própria maneira. surge a partir dai os nômades, um grupo de pessoas que adotaram esse estilo de vida para sobreviver. O conceito em torno dos nômades existe desde os primórdios da civilização, onde grupos de pessoas viviam de um lugar para o outro sem estabelecer em um único local fixo. ''Nomadland'' traz os nômades modernos, com suas histórias e suas razões para serem andarilhos sem direção. E o resultado dessa premissa traz um filme narrativamente interessante e visualmente muito bonito.
O filme acompanha Fern (Frances McDormand) uma mulher americana de meia idade que perdeu o marido e está desempregada, depois que a empresa que trabalhava foi fechada devido a uma crise financeira. Sem ter muitas opções, ela decide pegar a estrada a bordo da sua van e viajar pelo mundo, vivendo uma vida simples, sem dar satisfação a ninguém e fazendo tudo da maneira que melhor lhe favorece. Embora essa vida de mulher nômade moderna lhe pareça atrativa, Fern carrega consigo as dores e as lembranças do seu passado.
Com ''Nomadland'', Chloé Zao e Frances McDormand, que além de protagonizar o longa também é produtora, se utilizam de uma trama simples envolvendo nômades modernos para trabalhar com temas como lembranças, memórias, a dor da perda e a coragem necessária para seguir em frente. Além disso, o roteiro aborda o drama daqueles que são esquecidos pelo sistema, chegando ao ponto desses terem que optar por condições de vida sem regras, onde cada um traça seus caminhos de acordo com suas vontades. É um retrato muito intimista sobre tais condições vividas por esse grupo de indivíduos. Chloé Zhao não conta uma história complexa, nem muito menos se aproveita de um arco narrativo tradicional composto por três atos. O poder de um filme como ''Nomadland'' está em observar todos os detalhes oferecidos pelo roteiro e pelo seu visual. Tudo é muito simples, mas cheio de significados. Cada gesto, cada ação e cada diálogo é muito importante para envolver o público dentro da história desses personagens e principalmente da história de sua protagonista. É uma história que fala sobre a vida, onde tudo acontece da maneira mais natural e realista possível, o que faz da protagonista e os demais personagens pessoas incrivelmente reais e humanas, sem parecerem forçadamente artificiais. E essa naturalidade presente na narrativa é impressionante, onde testemunhamos a personagem principal simplesmente viver os momentos mais marcantes dessa sua nova vida. Isso funciona por causa do comprometimento de todos os envolvidos que realizaram um ótimo estudo de personagens em uma boa narrativa. Com um ritmo calmo demais para alguns, porém imersivo, o espectador pode se envolver por seu conteúdo, despertando interesse e fascínio.
O que contribui para que ''Nomadland'' seja um filme com imenso poder realista é a maneira como a diretora Chloe Zhao decide contar a história. Ela filma quase todas as cenas com a câmera na mão, a colocando em cima da protagonista e os demais personagens, captando toda a ação, os diálogos e os gestos como se de fato estivesse gravando o dia a dia de pessoas comuns cuja suas vidas se resumem a ir de um lugar a outro pelo país. É dado então ao filme um belo tom de documentário, como se ali fossem acontecimentos reais e não encenados. Tal proposta da diretora se mostra muito acertada, pois é uma estratégia inteligente que aproxima ainda mais o espectador da trama. Além disso, a cinematografia é discutivelmente uma das mais belas do ano, com muitos planos abertos focando nas belezas naturais das paisagens. É uma verdadeira ostentação visual, onde a direção utiliza as cores e a iluminação natural dos ambientes, sem o uso da artificialidade, o que é mais um grande acerto, afinal a proposta do filme é ser o mais realista possível. A trilha sonora é linda e delicada, com melodias envolventes que em sua maioria ilustram as várias situações em que a protagonista se encontra. As cenas são muito bem montadas, dando ao filme um tom poético e sensível admirável. Chloé Zhao demonstra muito talento e domínio dos elementos cinematográficos e os trabalha com muita dedicação e empenho, visando em realizar um bom trabalho, o que de fato ela consegue, mostrando que sabe o que esta fazendo, tendo total controle da situação.
Frances McDormand, que a quatro anos atrás já havia levado um Oscar por sua performance intensa no filme ''Três Anúncios Para um Crime'', brilha em cena e carrega o filme inteiro sem jamais se desequilibrar. Ela passa muita verdade com sua atuação, sendo muito carismática e cativante. Visando em adentrar na pegada realista do filme, ela interpreta a protagonista com tanto empenho e imersão que na verdade nem parece uma atuação e sim uma pessoa que realmente está vivendo tais situações, cuja a câmera registra seu dia a dia com o propósito de realizar um documentário sobre o seu meio de vida. É uma performance muito humana e sensível, o que torna merecida e compreensível mais uma indicação ao Oscar de Melhor atriz. Os demais membros que fazem parte do elenco de apoio, que são na sua maioria pessoas reais e não atores, vão na mesma pegada, dando vida a bons coadjuvantes, cujos diálogos e ações são bem naturais. Ninguém chega aos pés da performance de Frances McDormand, algo que já era de se esperar, é claro, mas cada um deles correspondem muito bem a responsabilidade de atuar com a veterana atriz.
''Nomadland'' é uma obra profunda e sensível, contando com um roteiro simples, porém forte, além de ostentar sua beleza visual que realmente impressiona. Cheio de camadas e significados, Frances McDormand e Chloé Zhao deram vida a um dos filmes visualmente e narrativamente mais bonitos do ano. Não é o meu filme favorito dos que foram indicados ao Oscar 2021, mas para mim é uma experiência cinematográfica satisfatória, portanto recomendo com certeza.
Nota: ★★★★★★★★ 8
NOMADLAND (2020) - Drama, 108 minutos. PRODUZIDO POR: Chloé Zhao e Francis McDormand. ESCRITO E DIRIGIDO POR: Chloé Zhao. ELENCO: Frances McDormand, David Strathairm, Charlene Swankies, Linda May, Bob Wells, Peter Spears Gay DeForest. CLASSIFICAÇÃO: 12 anos. NOTA NO ROTTEN TOMATOES: 96%
CURIOSIDADES:
- Sucesso entre os críticos, o filme de Chloé Zhao recebeu 6 indicações ao Oscar: ''Melhor Filme'', ''Melhor Direção - Chloé Zhao'', ''Melhor Atriz - Frances McDormand'', ''Melhor Roteiro Adaptado'', ''Melhor Edição'' e ''Melhor Fotografia''.
- Frances McDormand é uma das únicas atrizes reais do filme. Os demais membros do elenco não são atores de verdade.
- Curiosamente, durante uma entrevista aos 45 anos de idade, Frances McDormand disse que o seu sonho era mudar o seu nome para ''Fern'', o mesmo nome da sua protagonista em ''Nomadland'', e pegar a estrada viajando mundo afora, em um trailer assim que completasse 65 anos. Até o momento desse texto, ela está com 63 anos.
- Comparada as grandes produções cinematográficas de hoje em dia, ''Nomadland'' foi rodado com uma pequena equipe de apenas 25 pessoas, o que facilitou as viagens para realizar as filmagens que ocorreram ao longo de cinco meses e passaram por mais de sete estados americanos.
- O filme foi adaptado de um livro que apresenta personagens que realmente existem ou existiram. Chloé Zhao trouxe essa proposta também para a produção cinematográfica.
- No filme, a protagonista vivida por Frances McDormand chega a trabalhar no chamado Wall Drug, que é um local que realmente existe na vida real, sendo uma das atrações turísticas mais populares da Dakota do Sul.
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