O Irlandês (Original Netflix - 2019) - Análise - Um épico de Martin Scorsese!


 Por: Rudnei Ferreira 


Os filmes de máfia aos poucos foram se tornando populares, conquistando muitos fãs e admiradores, introduzindo a esses filmes um gênero próprio. Com a mistura de ação, drama, tramas políticas e conflitos familiares, são filmes que se tornaram clássicos aclamados por público e crítica na maioria dos casos. Um dos exemplos mais famosos que nos vem a mente quando o assunto é filmes de máfia é a trilogia ''O Poderoso Chefão''. Escritos e dirigidos por Francis Ford Coppola, em parceria com Mario Puzo, autor da obra literária em que os filmes se baseiam, os três longas se tornaram clássicos aclamados e referências para o tema, conquistando uma leva fiel de fãs até os dias de hoje e ganhando muitos prêmios importantes dentro do meio cinematográfico, influenciando outras super produções que viriam com o tempo. 

Martin Scorsese é outro gênio da sétima arte. Responsável por grandes sucessos como ''Taxi Driver'', ''Touro Indomável'', ''Ilha do Medo'' e ''O Aviador'', o veterano cineasta americano também já deixou a sua marca de genialidade dentro dos filmes de máfia e trouxe obras aclamadas como ''Os Bons Companheiros'', ''Cassino'' e ''Gangues de Nova York''. E em 2019, o aclamado diretor teve a ideia genial de retornar a esse universo do mundo dos mafiosos. E dessa ideia surgiu ''O Irlandês'', grande sucesso de público e crítica, marcado como o primeiro filme do diretor para um serviço de Streaming, nesse caso a Netflix. Com um elenco composto por alguns dos atores mais aclamados e respeitados da sétima arte e uma história cheia de surpresas e momentos inesquecíveis, o filme é uma longa jornada (e bota longa nisso) a um universo que o diretor conhece muito bem. 





O filme nos conta a jornada de Frank Sheeran (Robert De Niro), um veterano da Segunda Guerra Mundial que depois disso se dedica a trabalhar como entregador de carnes para vários estabelecimentos. Sua vida muda quando ele conhece Russell Bufalino (Joe Pesci), um poderoso mafioso que o convida a fazer parte do sombrio mundo do crime, realizando importantes tarefas para ele. Frank aceita e acaba se tornando um dos melhores, conquistando respeito e admiração de muitos dentro da comunidade mafiosa. Porém, Frank será obrigado a servir a dois lados, entre a lealdade com o seu mentor e a amizade com Jimmy Hoffa (Al Pacino), um sindicalista que aos poucos vai se envolvendo em conflitos com outros mafiosos da cidade, o que coloca o ex-combatente de guerra em uma situação complicada de se resolver. 

Embora seja um filme muito bom, uma coisa precisa ser dita: ''O Irlandês'' não foi feito para agradar a todo mundo. Isso porque ele se diferencia dos demais filmes de máfia dirigidos por Martin Scorsese. Não espere um filme cheio de grandes sequências de ação, pancadaria e sangue, embora tais momentos ainda marquem presença aqui, só que em uma escala menor. Baseado no livro escrito por Charles Brandt, que por um outro lado também se baseia em fatos reais, o roteiro de ''O Irlandês'' é destinado para aqueles que se entregam e gostam de acompanhar vários acontecimentos construídos e apresentados através de bons diálogos e de um íntimo e profundo estudo de personagens e situações. Não é um filme com um nível de entretenimento apurado, pois não possui pressa para contar sua história e desenvolver sua narrativa e seus personagens. Por conta disso, o filme pode ser um pouco cansativo e maçante para muitos, especialmente se tratando de um longa metragem com intensas 3 horas e 30 de duração, onde a trama é toda contada em um mesmo ritmo, alternando entre uma cena ou outra com violência e ação, mas que são limitadas, pois elas não são o foco principal da narrativa. 

O grande atrativo e o que realmente faz ''O Irlandês'' ser um filme muito bom e que vale a pena de se ver é que sua história é muito bem contada e brilhantemente bem construída. Scorsese a conta de maneira íntima e pessoal, com o máximo de realismo possível e cheio de personagens interessantes e bem desenvolvidos. Muito além de ser apenas mais um filme de máfia do diretor, o longa fala de causa e consequência e como certas escolhas podem resultar em algo que muitas vezes não tem volta, o que acaba gerando sentimentos como culpa, raiva e arrependimento. No caso do personagem de Robert De Niro, sua jornada é envolvente e fascinante ao mostrar um homem que muda de vida repentinamente. É alguém que ganha, mas não sabe o que pode estar perdendo. É um bom estudo de personagem e da natureza humana, o que faz com que as vezes o tempo perdido não possa ser recuperado, fazendo com que uma decisão possa mudar uma vida para sempre, seja para o bem ou para o mal. De resto, Scorsese enche a tela com todos aqueles elementos que ele conhece bem e que fazem parte de um bom filme de máfia: conflitos, intrigas, suspense e tensão. E o diretor trabalha com maestria cada um desses elementos, que embora sejam conhecidos pelos fãs e admiradores, ainda gera um resultado muito positivo. Martin Scorsese também passeia pela história, mencionando outros acontecimentos marcantes como o assassinato do presidente John F. Kennedy e inserindo isso de maneira pertinente dentro do enredo. Porém, é fato:'' O irlandês'' pode decepcionar e cansar alguns por conta do seu ritmo e da sua longa duração, mas também é um fato que ele está muito longe de ser um filme ruim, pois sua proposta é ser um produto destinado para quem gosta de boa história e bom conteúdo. E isso, o filme tem de sobra e na medida certa, sendo rico em seu conteúdo. 





''O Irlandês'' é excepcional também na beleza do seu visual. Um trabalho competente e magistral do departamento de arte e do design de produção para reconstituir época, especialmente os anos 60 e 70, onde se passa a maior parte dos acontecimentos vistos no longa. Cenários bem produzidos com a ajuda da cenografia e dos efeitos visuais, figurinos elegantes que denunciam o luxo e a maneira como a sociedade se vestia nesse período, um uso excepcional da Mise-en-scène que explora a riqueza e os detalhes dos ambientes e cenários. A cinematografia utiliza cores com tons quentes, o que passa a sensação necessária de ser um filme de época. Já em outros momentos, a fotografia valoriza as cores e tonalidades das locações reais. A direção sempre espetacular de Martin Scorsese trabalha muito bem os planos de câmera, ora em plano sequência, que segue alguns personagens e mostra somente o necessário, insinuando outras ações, ora com muita câmera lenta, que resulta em algo interessante acompanhado da trilha sonora alegre. Essa movimentação de câmera é inserida nos momentos certos, criando uma estética interessante visualmente. Em relação a já citada trilha sonora, é interessante de ver como ela está ausente na maior parte do tempo, tendo sua presença apenas em momentos pontuais. Mesmo assim, é um bom trabalho de Robbie Robertson. Impressionante também é o trabalho de rejuvenescimento facial do trio principal através de maquiagem e efeitos visuais e como esses recursos se destacam nas passagens de tempo envolvendo esses mesmos personagens principais. Funciona e convence, como se os atores tivessem gravado algumas cenas do longa alguns anos antes, quando eram mais jovens. Mesmo que alguns movimentos e ações corporais denunciem que se trata na verdade de três atores idosos, o resultado é satisfatório e visualmente bem feito. 

E por último, por falar nisso, o elenco desse filme é um verdadeiro presente para qualquer amante de cinema de verdade. Temos Robert De Niro e Joe Pesci ótimos ao interpretarem personagens tão bons e tão bem desenvolvidos. Os astros voltam a se encontrar depois de trabalhares em filmes como ''Touro Indomável'', ''Os Bons Companheiros'' e ''Cassino'' e a química e boa interação entre eles é formidável, prendendo nossa atenção na tela sempre que eles contracenam juntos. Robert convence com seu carisma e imenso talento na pele de um homem inteligente e impulsivo, mas que sabe se comportar e escolher bem as palavras certas para dizer. Já Joe passa muito bem a imagem de alguém calmo e concentrado no que faz, mas que deve ser respeitado e jamais enganado, pois as consequências para isso são severamente perigosas. Alguém sábio, porém perigoso. E ainda contamos com a presença sempre marcante e ilustre de Al Pacino. Teimoso, explosivo e sem papas na língua, seu personagem é marcante por essas características e o imenso talento e presença de Pacino só enriquece ainda mais sua construção dentro da trama. E assim como ocorre com Joe Pesci, sua boa química com Robert De Niro é um grande motivo para vê-los atuarem juntos. Um trio de ouro para um filme grandioso em todos os sentidos e não apenas na sua duração. Outras grandes participações incluem o talento de nomes como Harvey Keitel, Anna Paquim, Bobby Cannavale, Stephen Graham, Jesse Plemous, entre outros que fazem parte do elenco de apoio. 





''O Irlandês'' é o encontro épico entre quatro grandes gênios do cinema. Embora seja um filme muito longo e com um ritmo devagar, o que exige total comprometimento e interesse do espectador, o roteiro é muito bom, o visual é incrível e as atuações principais são um verdadeiro presente para os cinéfilos de plantão. Boa história e um forte conteúdo marcam essa grande obra cinematográfica de Martin Scorsese que, graças ao talento exorbitante do diretor, já tornaram o filme um clássico moderno e instantâneo, além de ser mais um inesquecível trabalho dentro da carreira genial do diretor. Vale a pena se dedicar e mergulhar nessa jornada real, cheia de mistérios e intrigas. 

Nota: ★★★★★★★★★ 9



O IRLANDÊS (THE IRISHMAN - 2019) - Drama/Suspense/Biografia, 210 minutos. / PRODUZIDO POR: Robert De Niro e Martin Scorsese. DIRIGIDO POR: Martin Scorsese. - ELENCO: Robert De Niro, Joe Pesci, Al Pacino, Harvey Keitel, Anna Paquim, Bobby Cannavale, Ray Romano, Stephen Graham, Jesse Plemons. CLASSIFICAÇÃO: 16 Anos. NOTA NO ROTTEN TOMATOES: 100%


CURIOSIDADES: 

* O aclamado filme de Martin Scorsese é baseado no livro ''I Heard You Paint Houses'', escrito por Charles Brandt, cujo texto foi escrito a partir dos relatos reais do verdadeiro Frank Sheeran, que no filme é interpretado por Robert De Niro. 

* Tanto o livro quanto o filme tem como questão principal o envolvimento de Frank com o desaparecimento de Jimmy Hoffa, que no filme é interpretado por Al Pacino. Na vida real, Jimmy Hoffa desapareceu de maneira misteriosa em 1975 e foi declarado morto em 1982. O caso nunca foi solucionado de fato, mas o texto de ambas as obras levanta suas hipóteses do que pode ter acontecido com Hoffa. 

* Hoffa inclusive já teve sua história contada nas telas do cinema em 1992 no filme ''Hoffa: Um homem, Uma lenda. Dirigido por Danny DeVito, o filme foi indicado ao Globo de Ouro de Melhor Ator para Jack Nicholson, que interpretou Hoffa. 

* Com 3 horas e 30 minutos de duração, ''O Irlandês'' é o filme mais longo já dirigido por Martin Scorsese. Até então, seu filme mais longo era ''O Lobo de Wall Street'', com exatas 3 horas de duração. É considerado também o filme mais longo entre as produções originais da Netflix. 

* O filme marca a primeira parceria entre Martin Scorsese e Al Pacino. Inclusive, essa foi a primeira vez que Robert De Niro, Joe Pesci e Al Pacino contracenaram juntos, mais um motivo para ver essas feras juntas em ação. 

* Com 9 Indicações ao Oscar, incluindo ''Melhor Filme'' e ''Melhor Diretor'', ''O Irlandês'' saiu de mãos abanando, o que é uma tremenda injustiça. 

* O filme é a nona colaboração entre Robert De Niro e Martin Scorsese. A última vez que eles trabalharam juntos foi no filme ''Cassino'', em 1995. É o quarto filme onde De Niro e Al Pacino trabalham juntos e o quinto filme estrelado por De Niro e Joe Pesci. Além disso, é o primeiro filme onde Al Pacino e Joe Pesci trabalham juntos. Sem dúvida, um encontro de gênios do cinema. 

* O filme de Martin Scorsese foi super elogiado não apenas pela crítica e pelo público, mas também por outros grandes diretores como Guillermo Del Toro e Ava Duvernay que o consideraram uma obra-prima. 


9 INDICAÇÕES AO OSCAR nas seguintes categorias: 

Melhor Filme

Melhor Direção

Melhor Ator Coadjuvante

Melhor Roteiro Adaptado

Melhor Fotografia 

Melhor Design de Produção

Melhor Figurino

Melhor Edição

Melhores Efeitos Visuais

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