A Outra História Americana (1998) - Análise - O preço alto a se pagar pelo ódio!


 Por: Rudnei Ferreira 


1998 foi um ano importante para o cinema, onde fomos presenteados com ótimos filmes. ''O Resgate do Soldado Ryan'', ''O Show de Truman'', ''O Príncipe do Egito'', ''Além da Linha Vermelha'' e ''Amor Além da Vida'' são apenas alguns exemplos de grandes filmes lançados nesse ano. O Oscar de 1999 é lembrado por muitos até hoje como um dos mais controversos e fracos da história da cerimônia. Vimos Fernanda Montenegro brilhar e ser a primeira e única atriz brasileira indicada ao Oscar de Melhor Atriz por ''Central do Brasil'' e perder injustamente para Gwyneth Paltrow pelo fraco ''Shakespeare Apaixonado'', além de Cate Blanchett também tinha sido indicada pelo filme ''Elisabeth'', por uma performance que, assim como foi o caso de Fernanda Montenegro, era bem superior a de Paltrow. Sem falar que ver ''O Resgate do Soldado Ryan'' perder o Oscar de Melhor Filme para o mesmo ''Shakespeare Apaixonado'' é algo inaceitável até hoje. Isso e outras injustiças que se eu for listar, vai me fazer mudar de foco completamente do real assunto que quero falar aqui. 

Estrelado por Edward Norton, o filme ''A Outra História Americana'' é outro que sofreu com as injustiças da academia nessa cerimônia de 1999. Foi indicado apena na categoria de Melhor Ator, o que foi muito merecido, mas ao ver o filme, a maioria dos cinéfilos vai concordar que o longa merecia ter recebido pelo menos mais umas quatro ou cinco indicações. Sem dúvida, temos aqui um exemplo de um baita filme que foi esnobado pelo Oscar, o que é uma pena. Mas o que serve de consolo é que o diretor Tony Kaye fez um filme forte e marcante em todos os seus aspectos. 





O filme conta a história de Derek Vinyard (Edward Norton), um neonazista que foi influenciado por uma vida de violência e racismo. Depois de assassinar de maneira brutal dois homens negros que tentavam roubar o seu carro, ele é preso e passa um longo tempo atrás das grades. Tempos depois, já em liberdade, Derek retorna para casa renovado e diferente, prometendo deixar para trás tudo o que ele representava, ao mesmo tempo que tenta mudar as atitudes e o modo de pensar do  irmão mais novo Danny (Edward Furlong) que admira e se inspira no irmão mais velho para seguir os mesmos passos que ele como um neonazista cruel e impiedoso. 

''A Outra História Americana'' é um filme forte e reflexivo que tem como principal abordagem o ódio e todo o seu poder destrutivo. Através do protagonista interpretado por Edward Norton, vemos o ódio nascer e crescer dentro dele, mostrando quais serão as causas e consequências de todos os seus atos que são movidos por todo esse ódio. E é através do personagem e sua jornada que o filme nos faz parar para pensar e refletir sobre o mundo de hoje, a natureza do ser humano e toda a realidade que temos que encarar. Afinal, são tantas coisas ruins  acontecendo que não dá para entender como o ser humano é capaz de cometer tantos abusos e absurdos por coisas que não fazem o menor sentido, como ter preconceito por cor de pele e etnia, capaz de ocasionar atos terríveis em decorrência disso. É triste pensar que o filme é atemporal por refletir uma realidade que infelizmente existe. A justiça existe, mas até que ela seja feita, muita coisa ruim já aconteceu antes. No caso de Skinheads e Neonazistas, é realmente lamentável que ainda existam grupos de pessoas assim, adoradores e apoiadores do mal e do ódio propagados por um certo líder alemão cujos ideais ceifaram a vida de milhões de pessoas. O roteiro explora o ódio e as suas consequências de ambos os lados, dos brancos e dos negros, mas deixando claro quais foram as motivações para que todo esse mal fosse propagado. Junte a isso algumas cenas difíceis de assistir por conta da violência, temos o retrato perfeito de tudo o que eu mencionei nas linhas acima. O ódio não nasce conosco. Ele é plantado e desenvolvido e isso é triste demais.  E é essa a intenção de Tony Kaye: nos fazer pensar através da trama cheia de personagens marcantes.





O roteiro é poderoso e bem feito, e com ajuda dos outros recursos audiovisuais, fica ainda melhor. A história se desenrola através de cenas que acontecem no passado e no presente. Com uma montagem muito competente, a ligação entre esses períodos de tempo ajuda o público entender um pouco mais sobre a história do protagonista, suas motivações e suas mudanças. A bela fotografia traz as cores preto e branco para contar o passado violento e sombrio de Derek e as cores mais claras e coloridas do presente representam a esperança que ele tem de mudar sua vida, deixando para atrás tudo o que fez de ruim e cruel. As cenas de violência são chocantes, pois a direção encontra os ângulos certos e movimentos precisos para causar o impacto desejado. E as vezes, apenas a sugestão de algo perturbador é o suficiente para incomodar. Basta lembrar de cenas como a do meio-fio e do chuveiro para poder entender o que eu quero dizer. 

E o que falar das atuações. Simplesmente excelentes, onde praticamente todo o elenco se sai muito bem. Edward Norton está fenomenal, nessa que é sem sombra de dúvidas uma das melhores interpretações de toda a sua carreira. O ator se entrega de corpo e alma em sua performance. Sua fisicalidade, suas expressões com um olhar frio e o sorriso maliciosamente sínico, que exala maldade, se contrastam bem com a sua drástica mudança de personalidade no decorrer do longa. É uma performance arrepiante e magistral. Além disso, seus diálogos, monólogos e discursos quando o longa retrata o seu passado são intensos e terríveis e o ator expõe tudo isso com muita naturalidade e realismo. Realmente, a sua indicação ao Oscar foi muito merecida, e se tivesse ganhado, não seria injusto. seu xará Edward Furlong já tinha demonstrado talento quando interpretou o jovem John Connor em ''O Exterminador do Futuro 2'' e aqui, ele está tão bem quanto. Gentil, porém facilmente manipulável, seu personagem é o resultado da influência do irmão em sua vida. O seu desenvolvimento em cena é muito interessante, a sua narração em off complementa bem a trama e o Plot Twist envolvendo o seu personagem nos minutos finais é surpreendente. Vale destacar a ótima química e interatividade entre ele e Edward Norton.  O elenco de apoio acompanha o talento dos dois astros, com performances respeitáveis. Destaque para Guy Torry, como um divertido alívio cômico, mas também com um personagem de grande importância para as mudanças de comportamento e pensamento do protagonista. 





''A Outra História Americana'' é um filme de conteúdo forte, tanto em suas cenas quanto em seu roteiro. É um longa atemporal que fala sobre ódio, causa, consequência e redenção. Mostra que o arrependimento pelos erros do passado são muito bem vindos, mas as vezes, a cobrança por esses mesmos erros podem vir da maneira mais tensa possível. Nesse aspecto, o filme lembra clássicos como ''Laranja Mecânica'' de Stanley Kubrick, devido a sua crítica social e temática semelhante. Em alguns casos, o ''aqui se faz, aqui se paga'' faz bastante sentido. Bem produzido, bem dirigido e com ótimas atuações, é um filme que merecia mais reconhecimento tanto do público quanto da crítica, pois não há dúvidas de que esse é mais um exemplo de um clássico instantâneo que reflete muito bem a situação do mundo atual. 

Nota: ★★★★★★★★★★ 10




A OUTRA HISTÓRIA AMERICANA (AMERICAN HISTORY X - 1998) - Drama, 119 minutos. DIRIGIDO POR: Tony Kaye. ELENCO: Edward Norton, Edward Furlong, Fairuza Balk, Ethan Suplee, Stacy Keach, Beverly D'Angelo, Elliott Gould, Avery Brooks, Jennifer Lien, Guy Torry. CLASSIFICAÇÃO: 14 anos. NOTA NO ROTTEN TOMATOES: 83%


CURIOSIDADES: 

* Antes de Edward Norton, o papel do protagonista foi oferecido para o ator Joaquim Phoenix. Mas o ator recusou, alegando não ter gostado da temática do filme. 

* Durante o período de pós-produção, o diretor Tony Kaye teve um desentendimento com os executivos da New Line Cinema. Isso porque o diretor era contra as cenas de Flashback e seu desejo era deixa-las de fora do filme. No final, tais cenas permaneceram mesmo contra a vontade do diretor. 


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