Judas e o Messias Negro (2021) - Análise - Um drama histórico poderoso e muito atual!


 Por: Rudnei Ferreira 


O Partido dos Panteras Negras foi um grupo organizado urbano criado no dia 15 de Outubro de 1966 e tinha como principal função lutar a favor da causa e dos direitos dos negros que sofriam com a discriminação e a violência. Embora suas ações fossem vistas como uma grande ameaça ao estado americano, eles desempenharam um importante papel social, como educação para as crianças e causas beneficentes. O número de membros que se uniam aos Panteras Negras foi crescendo em muitas regiões dos Estados Unidos, como Nova Iorque, Chicago, Los Angeles, Seattle e Filadélfia. Durante anos, os Panteras Negras se envolveram em vários confrontos violentos contra a polícia, o que fez com que o diretor do FBI na época, J. Edgard Hoover, supervisionasse um longo programa de espionagem, que envolvia vigilância, infiltração, assédio policial e outras maneiras para entende-los e combate-los. Tudo isso marcou a trajetória controversa dos Panteras Negras até o fim da organização no começo dos anos 80. 

Toda essa história envolvendo o grupo serve de cenário para a trama de ''Judas e o Messias  Negro'', filme de estreia do diretor Shaka King que recebeu muitos elogios da crítica especializada e do público, sendo ele um dos grandes indicados ao Oscar 2021. O longa narra a verdadeira história de Fred Hampton, líder dos Panteras Negras nos anos 60 e a sua incansável luta contra a opressão e a favor do direito dos negros nos Estados Unidos da época. 






Durante os anos 60, Bill O'Neal (Lakeith Stanfield) é preso depois de roubar um carro disfarçado como um agente federal. O FBI decide então entrar em um acordo judicial com ele, mas para isso, Bill terá que se infiltrar dentro do grupo dos Panteras Negras, fingindo ser um membro do partido cujo o verdadeiro propósito é coletar informações sobre eles e principalmente, para se aproximar do líder Fred Hampton (Daniel Kaluuya). Porém, os sentimentos e conflitos internos de Bill podem colocar em risco a operação. 

A primeira vista, a premissa de ''Judas e o Messias Negro'' faz lembrar o filme ''Infiltrado na Klan (2018)'' do diretor Spike Lee, onde o personagem de John David Washington também precisa se infiltrar em uma organização secreta, nesse caso, a Ku Klux Klan, além de ambos os filmes dramatizarem uma história real. Ao trazer os dramas verdadeiros envolvendo o líder dos Panteras Negras e do agente infiltrado em seu meio, o longa de Shaka King é mais um que toca em assuntos sérios e muito relevantes, como o preconceito racial, a violência, os conflitos políticos e de ideias e as injustiças cometidas contra os negros que assolaram os anos 60 e 70. Na verdade, tal problema infelizmente não se desfez com o tempo, já que os embates violentos entre os negros, a polícia e a injúria racial continuam a fazer parte o cenário atual. Nos dias de hoje, onde somos obrigados a testemunham assassinatos covardes de pessoas negras, como foi o caso de George Floyd, nitidamente movido pelo preconceito racial, um filme como ''Judas e o Messias Negro'' não poderia ser mais realista, oportuno e atual em seu conteúdo, mesmo que os acontecimentos envolvendo os seus personagens tenham se passado a mais de 50 anos atrás. Afinal, fica praticamente impossível não associar o que vemos em cena com o que está acontecendo a nossa volta, sendo inaceitável de acreditar que tal absurdo como o preconceito racial, que se sente ameaçado por causa da cor da pele, ainda exista em pleno século 21.

Com uma trama forte, envolvente, instigante e surpreendente, o roteiro guia o espectador por uma história de intrigas políticas, representatividade, luta pela justiça, igualdade de direitos, amor, traição, arrependimento e culpa. É a história de heróis oprimidos, cuja luta foi por dias melhores, nem que para isso também tivessem que recorrer a métodos extremos. Embora o filme apresente os dois lados da moeda, é bem fácil de perceber quem são os verdadeiros vilões da história. A intenção desses vilões é tão odiosa que até aqueles que foram manipulados por suas palavras começam a ver com outros olhos a suposta ''verdade'' implantada por eles.





''Judas e o Messias Negro'' também merece elogios pela sua qualidade e cuidados com os detalhes de produção. A representação de época é bem realizada e convincente, graças aos ótimos trabalhos de fotografia, design de produção, figurinos e caracterizações. A montagem é outro ponto forte, já que a composição de cenas envolve as ações vistas no filme com imagens de arquivos reais, contribuindo com o realismo imposto ao longa para causar todo o impacto necessário, quase com um tom documental. Os movimentos de câmera criam planos interessantes, especialmente nas sequências mais violentas, imergindo o espectador dentro do conflito. Até nas cenas onde Fred Hampton discursa para os seus apoiadores, o público se sente como se estivesse entre a multidão, acompanhando cada detalhe. É tudo muito bem orquestrado, méritos da direção excepcionalmente segura e bem realizada de Shaka King que realmente não decepciona em sua primeira investida como diretor de cinema. 

O elenco é fortíssimo e muito talentoso. Daniel Kaluuya e Lakeith stanfield voltam a contracenar juntos depois de dividirem a tela, mesmo que brevemente, no ótimo ''Corra!'', suspense vencedor do Oscar do diretor Jordan Peele. Aqui, eles tem mais tempo juntos e ambos são bem sucedidos na composição de seus personagens e na sua interação. Kaluuya faz de Fred Hampton um personagem extremamente carismático e interessante, cujas as motivações são claras e fazem bastante sentido. Mesmo que roube a cena em todas as suas aparições, é através dos seus discursos para os demais membros dos Panteras Negras que o ator realmente se destaca, onde cada palavra dita nos seus diálogos tem muito peso, poder e inspiração, chegando até mesmo a arrepiar em alguns momentos. Já Stanfield se sai igualmente bem como o infiltrado traidor. O conflito interno do seu personagem, que aos poucos vai mudando sua visão sobre aqueles que precisa observar, é muito interessante de se acompanhar e o ator passa muita verdade através do seu olhar e da sua fisicalidade. Diante disso, só é difícil entender uma coisa, que é a decisão da academia do Oscar de indicar os dois atores na categoria de ''Melhor Ator Coadjuvante'' já que o personagem de Lakeith Stanfield é o protagonista do filme, sendo mais conveniente e merecidamente indica-lo como ''Melhor Ator''. Dominique Fishback é uma personagem feminina com muita presença, numa mistura equilibrada de doçura, malandragem, apreensão e tristeza. Jesse Plemons é um antagonista que transita entre o levemente ameaçador e o caricato, mas que no fim também segue ordens de alguém ainda pior. Mesmo assim, funciona graças a sua boa performance. Já os demais membros do elenco cumprem o seu papel. 





''Judas e o Messias Negro'' é um filme forte, inspirador, poderoso e muito atual. Diante de uma realidade tão absurda e lamentável a que vivemos, onde tais assuntos ainda são bem relevantes, o longa de Shaka king é um grande soco na cara da sociedade e um verdadeiro choque de realidade. Com uma produção de muita qualidade, excelentes atuações e uma direção notável, é um filme imperdível e necessário. 

Nota: ★★★★★★★★★ 9



JUDAS E O MESSIAS NEGRO (JUDAS AND THE BLACK MESSIAH - 2021) - Drama biográfico, 126 minutos. ESCRITO, PRODUZIDO E DIRIGIDO POR: Shaka King. ELENCO: Daniel Kaluuya, Lakeith Stanfield, Jesse Plemons, Dominique Fishback, Dominique Thorne. CLASSIFICAÇÃO: 16 anos. NOTA NO ROTTEN TOMATOES: 96%


CURIOSIDADES:

  • Antes de Daniel Kaluuya ser o escolhido para interpretar Fred Hampton, atores como Jaden Smith e O'Shea Jackson foram considerados para dar vida ao histórico personagem. 
  • A chocante sequência da invasão do FBI ao apartamento onde Fred Hampton e outros membros dos Panteras Negras se encontravam causou um grande impacto emocional no elenco. A atriz Dominique Fishback comentou que quando chegou o momento de gravar a cena, o ambiente tinha uma energia extremamente carregada. Já o ator Lakeith Stanfield chegou a passar mal. De acordo com o diretor Shaka King, era possível ouvir através dos fones de ouvido o seu coração acelerado durante as gravações. 
  • O momento teve outro motivo para ser ainda mais especial, já que a cena foi gravada durante o aniversário de 50 anos da morte do verdadeiro Fred Hampton, o que certamente contribuiu para toda a carga emocional da cena. O ator Daniel Kaluuya disse que gravar a cena nesse dia importante foi extremamente pesado e desconfortante, mas era grato por poder fazer parte disse momento. 
  • Elogiado pelo público e aclamado pela crítica, o filme recebeu 6 indicações ao Oscar, incluindo ''Melhor Filme'' e ''Melhor Ator Coadjuvante''. Falando nisso, é a primeira vez na história do Oscar que dois atores foram selecionados para disputar juntos o prêmio de ator coadjuvante, já que Daniel Kaluuya e Lakeith Stanfield foram ambos indicados na categoria. 



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