O iluminado (1980) - Análise - Kubrick gênio!
Por: Rudnei Ferreira
Stephen King é considerado um dos maiores escritores de todos os tempos e também um mestre do terror. Com milhares de obras já publicadas, ele é o responsável por grandes sucessos como ''It: uma obra-prima do medo'', ''Jogo Perigoso'', ''1922'', ''Louca Obsessão'', entre tantos outros clássicos do horror, mas também já se aventurou pelo drama como é o caso de ''Um sonho de liberdade'' e ''A espera de um milagre''. Todas essas obras consagradas já foram adaptadas para o cinema (com exceção de ''Jogo Perigoso'' e ''1922'' que tiveram adaptações direto pela Netflix) e fizeram muito sucesso, além de serem premiadas ou indicadas em alguns eventos importantes relacionados a cinema. King sempre foi relevante em relação a suas obras literárias ganharem adaptações cinematográficas, porém, uma em especial ele desaprova totalmente até hoje.
É o caso de ''O iluminado'', filme lançado em 1980 e considerado até hoje um dos melhores e mais aclamados filmes de terror de todos os tempos, junto de obras-primas como ''O exorcista'' e ''O silêncio dos inocentes''. Escrito, produzido e dirigido por Stanley Kubrick, consagrado diretor responsável por filmaços como ''Laranja Mecânica'' e ''2001: Uma Odisseia no espaço'', o filme é criticado por Stephen King por não ser totalmente fiel ao livro em que se baseia. Independente se é fiel ou não a obra do aclamado escritor americano, o fato é que a adaptação de Kubrick para o cinema só comprova ainda mais o talento inquestionável deste que foi um dos melhores diretores de todos os tempos e que esse é sem dúvida, um dos melhores trabalhos dele e um dos melhores filmes do gênero.
O longa narra a história de Jack Torrance (Jack Nicholson), um escritor que aceita a oferta de trabalhar como zelador no luxuoso Hotel Overlook durante o período do inverno. Sendo assim, ele parte para o lugar levando consigo sua esposa Wendy (Shelley Duvall) e seu filho Danny (Danny Lloyd), que possui habilidades especiais. Conforme os dias vão passando, não demora para eles perceberem que algo assustador e sombrio domina o lugar, chegando ao ponto de Jack, aos poucos, desenvolver um estranho, assustador e violento comportamento, o que coloca em risco a vida dele e da sua família.
A primeira coisa que deve ser dita para quem pretende conferir ao longa pela primeira vez é: não crie grandes expectativas, e digo isso principalmente para quem procura aqui mais um filme clichê, cheio de sustos fáceis, violência e sangue pois pode sair desapontado. O longa de Stanley Kubrick aposta muito mais no terror psicológico, onde a tensão, o horror e o suspense são construídos através da sugestão, sem apelar para o óbvio e o clichê. Com um ótimo roteiro, o filme pode ser visto como lento para alguns, mas ele tem o tempo necessário para desenvolver a trama, os acontecimentos e os seus personagens. Mesmo que pouca coisa aconteça, a sensação de incômodo e de que alguma coisa sombria e assustadora paira no ar é inevitável. Não dá pra explicar, já que como citado, o filme sugere mais do que mostra, mas o nível de imersão e manipulação do roteiro é tão formidável que a sensação de arrepio e apreensão é genuína, sem ter a necessidade de mostrar nada muito explicito.
Claro, o filme tem violência e algumas cenas perturbadoras, mas elas são inseridas nos momentos certos e pontuais, e até chegar nesse momento, o enredo já nos deixou completamente absorvidos e imersos pela história e seus acontecimentos. É tudo muito ambíguo, sem se preocupar em dar maiores respostas sobre os significados de determinados acontecimentos, deixando para que o espectador interprete e chegue as suas próprias conclusões sobre o que está vendo em cena. Isso é algo comum presente na maioria dos filmes do diretor, que sempre gostou de brincar e manipular o espectador com suas imagens e elementos narrativos. Não é a toa que ''O iluminado'' é até hoje um dos filmes mais discutidos e interpretados do cinema. E a maneira como Kubrick nos manipula com seu talento e inteligência é o que torna esse mais um dos seus grandes triunfos cinematográficos.
O roteiro é brilhante, mas é a direção de Kubrick que faz toda a diferença para que o público seja envolvido, manipulado e imerso nessa trama inquietante. Principalmente pela maneira como o diretor filma e manipula sua câmera, que passeia pelos cenários e ambientes de maneira suave e flutuante, seguindo os personagens e nos dando a oportunidade de explorar todo a composição visual do Hotel onde os personagens se encontram. Com planos abertos e enquadramentos precisos, Kubrick explora a Mise-en-scène dos cenários, que possuem uma paleta de cores coloridas e alegres, contrariando a maioria dos filmes do gênero que apostam em tons escuros e cinzas para nos passar a sensação de assombrado ou perigoso. Logo nos minutos iniciais, a cinematografia nos brinda com as belezas naturais de cenários reais como montanhas, neve e área verde em belíssimas tomadas aéreas. E tudo isso seguindo o carro do protagonista por uma pequena estrada.
Kubrick ainda faz um bom uso de edição, que alterna entre a sugestão e algo mais explicito, da mixagem de som e da trilha sonora, que é sombria e medonha, causando a sensação constante de que algo horripilante pode acontecer a qualquer momento, sem necessariamente acontecer ou mesmo quando acontece de verdade. Tudo isso resulta em algumas das cenas mais marcantes do cinema, como a famosa sequência do machado quebrando a porta e a célebre frase ''Here's Johnny!'' dita por Jack Nicholson, a sequência assustadora das gêmeas no corredor e a da misteriosa mulher da banheira. O que Stanley Kubrick faz é trabalhar sabiamente com a linguagem audiovisual, fazendo de ''O iluminado'' uma verdadeira aula de cinema.
Jack Nicholson está assustador como Jack Torrance. Vemos seu personagem, aos poucos, sofrer mudanças drásticas e a sua sanidade mental ir embora conforme a loucura toma conta dele. É uma interpretação brilhante e absolutamente entregue do veterano ator, que causa medo com seus diálogos, suas atitudes e suas expressões de maníaco. Um dos melhores trabalhos de interpretação do ator e uma das melhores performances masculinas da história do cinema. Shelley Duvall é outra que brilha em cena. É possível enxergar através de seu olhar e de suas expressões faciais todo o medo e terror vivido pela personagem. A linguagem corporal é muito precisa e seus diálogos são carregados de angustia e pânico. A atriz chega ao seu limite, não apenas porque o roteiro exige dela, mas por conta da fama que Kubrick tinha de ser extremamente exigente com seus atores. É nítido que ele arrancou o máximo do talento de interpretação da atriz e o resultado é agonizantemente satisfatório. Já o pequeno Danny Lloyd está competente como uma criança perturbada pelas suas habilidades especiais. O jovem ator convence como uma criança assustada, sem parecer forçado ou falso. Todos tem o seu momento para brilhar e todos dão um show, especialmente Jack e Shelley. Um roteiro rico completado por atuações não menos que excelentes.
''O iluminado'' pode não ter agradado Stephen King, o autor dessa trama envolvente e sombria. Mas isso não tira o fato do longa ser mais um brilhante trabalho de um dos melhores diretores que o cinema já viu. Sem apelar para clichês e com uma trama surpreendente, imprevisível, simbólica e cheio de interpretações, o filme é mais um perfeito exemplo do diretor de como fazer excelente uso dos elementos cinematográficos. Nas palavras de Tiago Belotti, do canal do Youtube ''Meus dois centavos'': ''KUBRICK GÊNIO!''
Nota: ★★★★★★★★★★ 10
O ILUMINADO (THE SHINING - 1980) - Terror/Suspense, 144 Minutos. / ESCRITO, PRODUZIDO E DIRIGIDO POR: Stanley Kubrick. BASEADO NA OBRA DE: Stephen King. - ELENCO: Jack Nicholson, Shelley Duvall, Danny Lloyd, Scatman Crothers. CLASSIFICAÇÃO: 14 Anos. NOTA NO ROTTEN TOMATOES: 84%
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