Marighella (2019) - Polêmico, porém, muito bom e relevante!


 Por: Rudnei Ferreira 


Ao longo dos mais de 500 anos desde o descobrimento do Brasil, foram várias as figuras importantes que marcaram a história do nosso país. E Carlos Marighella foi uma dessas figuras. Nascido em Salvador, na Bahia, ele foi deputado federal, escritor, poeta e professor, mas ficou bastante conhecido por ser um guerrilheiro comunista durante a sombria época da ditadura militar brasileira que aconteceu de 1964 a 1985. Preso e torturado durante o período, ele liderou um seleto grupo de jovens guerrilheiros na luta contra o regime brasileiro na época, indo contra toda e qualquer ideia de opressão, além de ser contra os terríveis métodos militares que incluíam prisões, torturas e mortes. Devido a sua popularidade e o grau de suas ações contraditórias, Marighella foi nomeado por boa parte da mídia censurada e o próprio governo como o inimigo numero 1 do Brasil, sendo visto como a maior ameaça do país. 

Durante cinco anos, Marighella lutou incessantemente contra a opressão do regime militar até encontrar seu triste fim no dia 4 de novembro de 1969 ao ser assassinado pelos agentes do Departamento de Ordem Política e Social na cidade de São Paulo durante uma emboscada. Tido como um herói nacional por uns e um criminoso assassino por outros, o fato é que Carlos Marighella deixou o seu nome para sempre gravado na história do nosso país, sendo até hoje um poderoso símbolo contra a tirania e a opressão. A história de vida do baiano foi contada não apenas na mídia, mas também em um livro escrito por Mario Magalhães chamado ''Marighella: O Guerrilheiro que Incendiou o Mundo''. E foi justamente esse livro, além de várias pesquisas e informações públicas, que serviu de inspiração para o roteiro de ''Marighella'', cinebiografia escrita e dirigida por ninguém menos que o ator Wagner Moura, o eterno Capitão Nascimento dos ótimos ''Tropa de Elite 1 e 2'' do diretor José Padilha. Polêmico é a palavra que define essa obra cinematográfica. Mas em meio a toda a polêmica, temos um bom filme que merece ser visto. 






A trama de ''Marighella'' nos transporta para os anos 60, em plena época da Ditadura Militar Brasileira. O guerrilheiro Carlos Marighella (Seu Jorge), reúne um grupo de jovens para lutar contra a tirania e opressão do violento período. No seu encalço está o astuto e violento agente da DOPS, Lúcio (Bruno Gagliasso) que não vai descansar até ver Marighella e seus comparsas detidos e mortos. 

Desde quando foi anunciado que ''Marighella'' seria o seu primeiro trabalho como roteirista e diretor, Wagner Moura já esperava reações extremamente críticas e contrárias por boa parte do público. E realmente foi isso que aconteceu. Programado para ser lançado nos cinemas em 2019, o filme sofreu uma série de comentários raivosos e revoltados, chegando inclusive a ser censurado e adiado. Em 2020, Wagner tentou mais uma vez lançar o longa na tela grande, só que de novo foi impedido de realizar o seu desejo, dessa vez por causa da Pandemia do Coronavírus que teve início em março desse mesmo ano e que fechou os cinemas do mundo todo. Isso sem contar que o diretor enfrentou alguns problemas pessoais com a ANCINE (Agencia Nacional de Cinema), algo que também contribuiu com o cancelamento do filme.

 Depois de muitos conflitos e adiamentos, finalmente ''Marighella'' estreou no país no dia 4 de novembro de 2021, a exatos 52 anos da morte do guerrilheiro baiano. E como era de se esperar, as reações entre o público se dividiram, mesmo o filme sendo bem elogiado pela crítica. Não estou aqui para tomar partido de nenhum lado político, afinal tenho minhas próprias opiniões pessoais sobre o que acho da política brasileira e o que acho que está certo e errado com o nosso país. Minha função é comentar sobre ''Marighella'' como produção cinematográfica, e dizendo isso, já digo que gostei bastante do filme. Em sua estreia na direção de um longa metragem, Wagner Moura tem total controle da situação e sabe muito bem como conduzir o seu filme e a trama abordada. Fica claro que ele quer homenagear a apresentar para o público quem foi Carlos Marighella e o quanto foi importante a sua causa. No entanto, também não é por acaso que um filme como esse, com um forte apelo político, venha a estrear nos cinemas durante um atual governo cheio de problemas e controvérsias. 






Ao meu ver, Wagner Moura utiliza a história do revolucionário brasileiro e seus problemas com o governo da época para também criticar o governo atual. Em dias em que o nosso presidente já declarou defender o golpe militar e ter como ídolo um dos maiores carrascos da ditadura, não é coincidência que um filme sobre esse período conturbado e vergonhoso da nossa história chegue aos cinemas. Um filme que mostra de maneira explicita as barbaridades do período, conscientizando o espectador que tais acontecimentos não podem e não devem se repetir. Não é pra menos que a produção tenha causado tanta polêmica, dividindo a opinião pública no Brasil. ''Marighella'' não é a primeira obra a reproduzir os detalhes em torno do que veio com o golpe de 64, mas chega em um momento bem oportuno para a realidade atual. Com um roteiro forte e impactante, o filme de Wagner Moura tem muito a dizer.

A obra ganha pontos positivos também nos aspectos de produção. Além de fazer um bom trabalho de reconstituição de época, preocupado em reproduzir com detalhes os anos 60, Wagner Moura trabalha muito bem os movimentos cinematográficos. Sua intenção é dar ao filme quase um tom de documentário, já que ele utiliza bastante a câmera nas mãos, dando um ritmo frenético e bem movimentado as imagens, principalmente nas cenas de ação. A cinematografia nos remete a sensação de filmagens antigas como se tivessem realmente sido gravadas durante o período, além de contribuir com o clima pesado e sombrio da trama. O filme conta com muitas cenas de violência que podem chocar os mais sensíveis, especialmente uma arrepiante cena de tortura capaz de tirar o sono de muita gente. A intenção é causar incômodo, e nisso, a direção tem êxito em proporcionar isso para o público. E é ai que Wagner Moura exibe sua clara inspiração em José Padilha, com quem trabalhou em ''Tropa de Elite'', já que os seus maneirismos e estilo de direção são até que semelhantes aos do diretor carioca. Tudo isso serve ao propósito de trazer o máximo de realismo ao filme e a história de Carlos Marighella. 






No elenco, o ator e cantor Seu Jorge se compromete em entregar um bom trabalho ao dar vida a figura histórica de Carlos Mariguella, e ele se sai muito bem. Com talento, o ator constrói com êxito a figura de um homem forte, determinado, carismático e empenhado na sua luta contra o regime opressor da época. Curiosamente, a primeira escolha de Wagner Moura para interpretar o personagem era Mano Brown, rapper e vocalista do grupo de rap Racionais Mc's, devido as características físicas semelhantes que o cantor tem com o verdadeiro Marighella. E eu confesso que fiquei bastante curioso para ver como seria ver o líder do Racionais encarnando o guerrilheiro. No entanto, Seu Jorge faz um bom trabalho, demonstrando estar bem interessado e comprometido com o papel. Outro que merece elogios é Bruno Gagliasso. Acostumado em interpretar na teledramaturgia personagens bonzinhos e com pinta de galã, aqui, o ator vive um antagonista frio, sádico, cheio de preconceitos e sem escrúpulos para conseguir os seus objetivos. É aquele típico vilão que causa repulsa e ódio por suas ações e o ator o encarna com precisão, cumprindo muito bem a proposta estabelecida pelo roteiro para ele. Os personagens coadjuvantes possuem participações significativas e importantes, contando com boas atuações de Bella Camero, Humberto Carrão, Herson Capri, Luis Carlos Vasconcelos e Adriana Esteves. 

''Marighella'' é sujo, cruel e realista ao retratar um pouco do que foi a ditadura militar no Brasil, trazendo reflexões profundas sobre o seu conteúdo impactante. Ao mesmo tempo, é um thriller de ação e drama de tirar o fôlego que entrega todo o talento e competência do seu elenco e de Wagner Moura em sua primeira experiência como cineasta. Sua intenção foi propositalmente fazer um filme divisor de opiniões, e ele realmente conseguiu. Apesar disso, é uma obra cinematográfica bem feita e bastante marcante para a história do cinema brasileiro que merece ser reconhecida e lembrada no futuro. Vale muito a pena conferir. 

Nota: ★★★★★★★★★ 9






MARIGUELLA (2019) - Ação/Drama biográfico, 155 minutos. ESCRITO, PRODUZIDO E DIRIGIDO POR: Wagner Moura. ELENCO: Seu Jorge, Bruno Gagliasso, Bella Camero, Humberto Carrão, Herson Capri, Luiz Carlos Vasconcelos, Adriana Esteves, Charles Paraventi, Adanilo Reis. NOTA NO ROTTEN TOMATOES: 89% . CLASSIFICAÇÃO: 16 anos. 


CURIOSIDADES: 

  • Antes de estrear oficialmente nos cinemas brasileiros, o filme foi exibido em 2019 no Festival de Cinema de Berlim. Amplamente elogiado pela crítica especializada, o longa de Wagner Moura foi aplaudido de pé e passou a ser exibido em outros países como Seattle, Hong Kong, Sydney, Santiago, Havana, Istambul, Atenas, Estocolmo e Cairo. 
  • Como foi mencionado, o vocalista do grupo de rap Racionais Mc's foi a primeira escolha de Wagner Moura para interpretar Carlos Mariguella no filme, mesmo ele não sendo ator. No entanto, a extensa agenda de shows do cantor e do grupo impediram que ele se comprometesse com o filme. Por fim, Seu Jorge foi oficialmente escolhido para dar vida ao histórico líder guerrilheiro da ditadura militar. 

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