Filadélfia (1993) - A luta contra o preconceito!
Por: Rudnei Ferreira
É de conhecimento de todos que a AIDS é uma das doenças mais graves e degenerativas do mundo, se não a mais grave. Transmitida através do vírus do HIV, os primeiros relatos de vitimas infectadas pela doença surgiram a partir dos anos 80, onde muitas pessoas foram contaminadas principalmente através do uso de drogas injetáveis, compartilhando seringas e agulhas por um mesmo grupo de pessoas, ou através das relações sexuais sem proteção. Numa época onde pouco ou quase nada se sabia sobre essa doenças, muitas pessoas portadoras do vírus foram vítimas de preconceitos e ameaças, principalmente os homossexuais, vistos por boa parte da população como os principais transmissores da doença, o que era um absurdo sem tamanho. A falta de maiores informações diante dessa até então nova doença infelizmente provocava essa sucessão de ataques físicos e morais. Isso sem contar que a perda de muitas pessoas famosas para a doença fizeram aumentar ainda mais o medo da população.
E é exatamente esse cenário sombrio e triste que toma conta do enredo de ''Filadélfia'', aclamado drama de tribunal dirigido por Jonathan Demme (do ótimo ''O Silêncio dos Inocentes'') sendo esse um dos primeiros filmes da indústria hollywoodiana a falar abertamente de temas como homossexualidade, preconceito e principalmente a AIDS. Estrelado por Tom Hanks e Denzel Washington, a impressionante e comovente produção é um clássico do cinema que precisa ser visto por quem nunca viu.
O longa nos traz a história de Andrew Beckett (Tom Hanks), um advogado homossexual que presta os seus serviços para uma famosa e prestigiada firma da Filadélfia. Ao descobrir ser portador do vírus da AIDS, fica cada vez mais difícil para ele esconder a doença de seus empregadores e companheiros de trabalho. Quando todos acabam descobrindo que ele de fato tem a doença, o advogado é demitido da empresa sem uma justificativa convincente. Diante da lamentável situação e com sua saúde aos poucos caindo em declínio, Andrew recorre aos serviços de Joe Miller (Denzel Washington), um advogado homofóbico, para representá-lo nos tribunais durante um processo contra os seus ex patrões.
Muito mais do que um filme de tribunais ou sobre as causas e consequências da AIDS, ''Filadélfia'' é um grande choque de realidade e um baita tapa na cara. Isso porque o roteiro escrito por Ron Nyswaner aborda de maneira crua e realista todo o preconceito vivido não apenas pelos portadores da doença mas também pelos homossexuais, numa época onde eles eram considerados os grandes culpados pela disseminação da doença. Mais do que isso, pessoas que eram julgadas pelo simples fato de terem escolhido amar e se relacionar com pessoas do mesmo sexo. Talvez esse seja o grande fio condutor de todo o filme: o preconceito. E é justamente isso que faz ''Filadélfia'' ser um filme tão atemporal, pois ele relata uma triste realidade que infelizmente só foi se agravando com o passar do tempo. É um filme antigo, de 1993, Porém, sua narrativa poderia muito bem se passar nos dias de hoje. Afinal, mesmo que as informações e respostas para as dúvidas da época tenham sido respondidas conforme os anos, a ignorância e o preconceito perpetuam com mais força do que nunca, mesmo nos dias de hoje.
E o roteiro faz questão de deixar claro todo esse preconceito e ódio da época estampado através dos diálogos ou das ações de personagens assumidamente preconceituosos. Com ajuda da boa direção, o filme quer deixar a sua mensagem bem clara, causando incômodo e impacto, fazendo com que o público fique pensativo e reflexivo sobre o que viu ao longo de suas pouco mais de 2 horas de duração. Ao menos para mim, a intenção dos seus realizadores foi bem sucedida.
''Filadélfia'' é também um filme bem produzido e muito bem realizado. As ambientações denunciam a sua idade, já que se trata de um filme realizado em 1993. No entanto, a produção envelheceu muito bem. Jonathan Demme, que dois anos antes já havia feito um excelente trabalho em ''O Silêncio dos Inocentes'', dirige o filme com uma sensibilidade magnífica. O cineasta movimenta sua câmera com suavidade, acompanhando os movimentos do elenco e seus personagens e em vários momentos foca principalmente no rosto de cada um deles, como forma de transmitir suas emoções através do olhar. Tal sensibilidade em sua direção permite abordar temas tão sérios com delicadeza e profundidade, extraindo o melhor do roteiro e do seu elenco. A trilha sonora é muito bem executada, já que o filme se inicia muito bem ao som da clássica ''Streets Of Philadelphia'' de Bruce Springsteen, que inclusive levou o Oscar de Melhor Canção Original. O jogo de sombras, luzes e cores enriquecem a fotografia em alguns segmentos onde destaco a tocante e profunda cena em que o personagem de Tom Hanks traduz para o personagem de Denzel Washington uma canção de ópera. Todos esses recursos cinematográficos ajudam o público a se envolver e sentir profundamente a história e os seus personagens.
O longa conta com as performances marcantes do seu elenco, com destaque especial para Tom Hanks, absolutamente incrível e entregue ao seu personagem. Com uma aparência magra e doente, méritos também do ótimo trabalho de maquiagem, o veterano ator dá um show de atuação no papel que deu uma grande alavancada na sua carreira. Tudo em seu personagem e no seu desenvolvimento é simplesmente fascinante. Não é a toa que tal performance concedeu merecidamente ao astro seu primeiro Oscar de Melhor Ator. A humanidade presente no personagem é muito viva e tocante. Através dos seus diálogos, da sua fisicalidade e do seu olhar, Tom tem muito a dizer. É daquelas atuações que ficaram marcadas na história do cinema e merece ser lembrada daqui a muitos anos por cinéfilos das próximas gerações. Denzel Washington encarna com perfeição um personagem tomado pelo preconceito mas que vai reavaliando seus conceitos no decorrer da narrativa. E é nesse momento que o público consegue se afeiçoar mais a ele. Sua interação em cena com Tom Hanks é ótima e ambos os atores protagonizam momentos inesquecíveis.
Os demais membros do elenco de apoio cumprem bem o seu papel. Aqui, vale a pena mencionar a boa participação de um jovem Antonio Banderas interpretando o companheiro amoroso de Tom Hanks. Mesmo aparecendo pouco, seu personagem tem uma importância significativa dentro da trama. Seu carinho e cuidado pelo personagem de Hanks é lindo e comovente. O próprio filme termina com uma nota absolutamente comovente, capaz de fazer o espectador derramar algumas lágrimas. Emocionante e belíssimo, transmite a sua mensagem de maneira satisfatória e poderosa.
Com um roteiro forte e atuações poderosas, ''Filadélfia'' toca profundamente em uma triste realidade que infelizmente se faz viva e presente na atualidade. Com temas profundos e sérios, esse clássico do cinema desperta importantes reflexões sobre até que ponto vai a ignorância humana, mas também deixa uma comovente mensagem de amor, afeto, aceitação e valorização das coisas importantes da vida. Mesmo com quase 30 anos do seu lançamento, é mais um daqueles filmes cuja a mensagem deve percorrer e alcançar gerações. Sem dúvida, uma obra cinematográfica indispensável.
Nota: ★★★★★★★★★ 9
- Para dar vida ao seu personagem no filme, um advogado homossexual diagnosticado com a AIDS, o astro Tom Hanks precisou perder 12 quilos.
- As cenas do julgamento foram todas rodadas em um tribunal de verdade.
- A sensibilidade da direção de Jonathan Demme teve um propósito especial. De acordo com o cineasta, sua intenção era comover e tocar até mesmo as pessoas que não fossem familiarizadas com a doença e os outros assuntos abordados pelo roteiro.
- ''Filadélfia'', além de fazer sucesso entre o público e a crítica, também agradou os votantes da Academia do Oscar que indicaram o filme em 5 categorias: ''Melhor Canção Original'', ''Melhor Maquiagem'', ''Melhor Roteiro Original'', ''Melhor Trilha Sonora e ''Melhor Ator - Tom Hanks''. A obra saiu vitoriosa em ''Melhor Canção Original - Streets Of Philadelphia'' e ''Melhor Ator''.
- O filme foi a grande transição de Tom Hanks para um cinema mais sério e dramático. Até então, o astro era conhecido por atuar em comédias como ''Quero Ser Grande'' (1988).
- Um ano depois, Tom Hanks estrelou outro drama aclamado pelo público e pela crítica: ''Forrest Gump: O Contador de Histórias'' dirigido por Robert Zemecks. Esse foi o segundo filme consecutivo de sua carreira a lhe presentear com o Oscar de Melhor Ator.
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