Relatos do Mundo (Netflix - 2020) - Análise - Tom Hanks em uma bela história de Western!

 Por: Rudnei Ferreira

A muitos anos atrás, lá por volta do século 18, os americanos testemunharam grandes acontecimentos como a Guerra Civil, que se estendeu de 1861 a1865. Mas além disso, muitos viveram o drama de terem seus filhos raptados e levados por tribos indígenas que andavam pelos cenários da época. Na maioria dos casos, essas crianças tinham os seus pais assassinados pelos próprios indígenas. E conforme o tempo passava, elas aceitavam e se acostumavam com o fato de que essas tribos se tornavam sua nova família. As crianças aprendiam seus costumes e tradições e chegava o ponto de não conseguirem mais viver sem esse novo meio de vida que lhes era incumbidos. Um caso famoso na história foi a da jovem Olive Oatman, que depois de ter toda a sua família assassinada, foi raptada por uma tribo indígena no Arizona junto com a sua irmã. Olive aprendeu os costumes dos índios, era obrigada a fazer trabalhos domésticos para eles e teve o seu rosto tatuado, o que a fez ficar marcada para sempre como um novo membro da tribo que matou sua verdadeira família. 

Em 2016, a romancista americana Paulette Jiles escreveu e lançou o livro ''News Of The World'' ou ''Relatos do Mundo'' no Brasil, porém, sem tradução em português para o livro. Criando personagens e uma história fictícia, a autora traz como plano de fundo as histórias dessas crianças que eram raptadas e obrigadas a viver uma nova vida como indígenas. E em 2020, a Universal Pictures decidiu adaptar para as telas essa obra interessante de Paulette Jiles. ''Relatos do Mundo'', que teve distribuição mundial pela Netflix, conta com o astro Tom Hanks como protagonista e a direção de Paul Greengrass (diretor de filmes como ''Capitão Phillips'', também estrelado por Tom Hanks e ''Voo United 93'') em um filme sensível, tocante, belíssimo e envolvente. 

No ano de 1870, cinco anos depois do fim da Guerra Civil Americana, o Capitão Jefferson Kyle Kidd (Tom Hanks) é um veterano sobrevivente do conflito e agora viaja através do estado do Texas, de uma cidade a outra, lendo notícias sobre o que está acontecendo no mundo para as pessoas, em troca de dinheiro. Durante uma de suas viagens, ele acaba encontrando Johanna (Helena Zengel), uma garota de 12 anos que teve sua família assassinada por tribos indígenas e que depois foi criada por eles. Kidd decide então ajuda-la a voltar para casa. Nessa jornada, ambos acabam criando um forte vínculo e vivem grandes aventuras, enfrentando obstáculos pelo caminho. 

Assim como no livro pela qual se baseia, o roteiro de ''Relatos do Mundo'' nos conta uma história de velho oeste moderna e diferente de muitas outras que conhecemos. Mais do que um Western moderno, o filme também é um drama tocante e profundo sobre deixar o passado para trás visando em pensar no presente e também no futuro, sem esquecer da própria história. No meio de tudo isso está o drama já citado das crianças órfãs que se tornaram indígenas, independente da sua etnia e idade. Os relatos do mundo, como o título sugere, não se refere penas as notícias que acontecem pelo mundo afora. Tem muito a ver também com os relatos das nossas próprias histórias, que levamos conosco para sempre, mesmo diante de novos caminhos que encontramos pela frente e nos farão viver tantas outras histórias. Para quem espera um filme no clássico estilo ''Bang-Bang'', pode sair meio desapontado aqui, pois ''Relatos do Mundo'' é mais voltado para um conteúdo mais profundo, mesmo que ainda possua um momento ou outro que fazem lembrar desses filmes do passado, que foram imortalizados principalmente por causa do genial diretor Sérgio Leoni. Vale a pena se aventurar e descobrir algo mais intimista e sensível para o gênero. 

O filme possui um roteiro envolvente e muito interessante, o que faz com que a história prenda a nossa atenção e flua com muita naturalidade e um bom ritmo. A jornada dos protagonistas é marcada por acontecimentos simples, porém bem desenvolvidos, cuja cada um desses momentos faz com que o público se envolva com esses personagens cada vez mais. É um bom desenvolvimento de personagens e história, méritos de um roteiro simples, mas bem feito. O longa, acima de tudo, é um grande espetáculo visual. A cinematografia é cheia de planos abertos que valorizam as belezas das locações e cenários. Além disso, é também muito bem fotografado, utilizando principalmente iluminação e sons naturais das ambientações. É de encher os olhos tantas belezas naturais que transmitem bem o clima de um Western, com cores quentes e planos detalhes magníficos, como os de um belo por do sol que se despede no horizonte. Vale mencionar o ótimo trabalho de figurino que reproduz com detalhes o estilo de se vestir da época. Os efeitos visuais são imperceptíveis e em alguns segmentos, são usados para preencher bem uma necessidade do roteiro. Um exemplo disso é na cena da tempestade de areia. A trilha sonora é delicada e muito bonita, transmitindo para o espectador o tom proposto pelo filme. Cada sequência é bem dirigida e muito bem produzida, o que faz do filme uma grande obra audiovisual. 

No elenco, o sempre ótimo Tom Hanks traz o seu talento, carisma e presença marcante desde a primeira cena a última cena. Sua atuação é só elogios, o que já era de se esperar quando um filme tem a presença ilustre desse ator fenomenal, com um personagem profundo, marcado pelo passado, mas que procura sobreviver no presente dando o seu melhor. Tom já nos mostrou outras vezes que tem a capacidade de segurar um filme nas costas sem dificuldades. Mas é dividindo a tela com a jovem Helena Zengel que as coisas ficam ainda mais interessantes. A menina é talentosa e tem muita presença, que nem o veterano ator. Ela constrói sua personagem com muita naturalidade, o que convence o público com sua condição. A química entre os dois em cena funciona muito bem, com uma típica relação de pai e filha, além de ambos os personagens serem bons. Na verdade, essa relação entre eles não chega a ser exatamente inovadora, já que filmes como ''Logan'' e o clássico ''Os Brutos Também Amam'', outro Western bem legal, vão pelos mesmos caminhos. Mas é justamente a boa interação entre o veterano ator e a jovem atriz promissora que fazem essa premissa familiar continuar funcionando. O elenco de apoio, mesmo sem grandes destaques, tem suas boas participações dentro da trama. 

''Relatos do Mundo'' é muito bem feito e chamativo em questões visuais e de produção e nos envolve com um roteiro sensível e tocante. Com ótimas atuações e uma direção competente, o filme é mais uma boa recomendação para conferir na Netflix. Vale a pena se aventurar nesse Western cheio de sensibilidade. 

Nota: ★★★★★★★★★ 9

RELATOS DO MUNDO (NEWS OF THE WORLD - 2020) - Drama/Western, 119 minutos. ESCRITO E DIRIGIDO POR: Paul Greenglass. ELENCO: Tom Hanks, Helena Zengel, Neil Sandilands, Elisabeth Marvel, Mare Winninghan, Ray McKinnor, Thomas Francis Murphy. CLASSIFICAÇÃO: 16 anos. NOTA NO ROTTEN TOMATOES: 88% 

CURIOSIDADES: 

* Em maio de 2017, a Fox 2000 Pictures, empresa do grupo Fox Filmes comprou os direitos de adaptação do livro de Paulette Jiles, com roteiro de Luke Davies e com Tom Hanks sendo o protagonista. Em fevereiro de 2019, Paul Greenglass foi contratado para dirigir a adaptação. Porém, com a fusão entre a Walt Disney e a Fox, o filme acabou sendo produzido pela Universal Pictures. 

* Em novembro de 2020, a Netflix comprou os direitos para distribuir o filme internacionalmente, com exceção dos Estados Unidos, que teve sua distribuição no país feita pela própria Universal. 

* A jovem atriz Helena Zengel, de 12 anos, recebeu uma indicação ao Globo de Ouro por sua performance em ''Relatos do Mundo''. Por conta disso, ela entrou na lista dos atores e atrizes mais jovens a serem indicados ao prêmio. A lista inclui nomes como o de Kirsten Dunst, que também aos 12 anos foi indicada pela sua atuação no filme ''Entrevista com o Vampiro'' de 1994. Já Haley Joel Osment tinha apenas 11 anos quando foi indicado por atuar no filme ''O sexto Sentido'' de 1999.