Silêncio (2016) - Análise - Um estudo íntimo e visceral sobre fé e humanidade!


 Por: Rudnei Ferreira 


Tocar no assunto sobre Deus e religião é uma coisa delicada e complicada. Afinal, várias são as religiões e suas crenças. E infelizmente, não é de hoje que conflitos e discordâncias existem por causa de religião. Cada cultura tem a sua imagem de adoração e, para eles, suas divindades são seres supremos e únicos. Assim como nós mesmos somos levados a acreditar através do cristianismo que existe somente um único deus no universo, o criador do céu, do mar, da terra e de tudo o que neles existem. Porém, outros povos e outras culturas também foram educados a acreditar na mesma coisa em relação aos seus deuses. Por isso, religião é um assunto delicado, pois gera muitas discussões e divergências de opiniões entre aqueles que acreditam ou não e aqueles que possuem suas próprias crenças. Eu mesmo sou um que não tem nenhuma religião e guardo comigo minhas opiniões pessoais sobre o assunto, mas tenho imenso respeito por todas as manifestações de fé que se possam existir. 

Porém, mesmo com tanta fé, esperança e orações, as vezes, é possível que perguntas como: porquê Deus permite que coisas terríveis aconteçam com tantas pessoas inocentes? Onde Ele estava que não impediu tais atrocidades e maldades? No mundo louco em que vivemos, essa é uma questão que faz parte dos pensamentos e realidades de muitos. E é justamente com esses temas: fé, religião e os questionamentos em torno deles que o brilhante diretor Martin Scorsese trabalha no enredo de ''Silêncio'', filme completamente esnobado na cerimônia do Oscar em 2017, sendo indicado apenas na categoria ''Melhor Fotografia''. Provavelmente seu filme mais intimista e pessoal, o longa é de fato  um dos trabalhos mais diferenciados do diretor americano, principalmente por conta da abordagem que se difere de outras obras cinematográficas do diretor como ''Taxi Driver'', ''Touro Indomável'', ''Os Bons Companheiros'' e ''O Irlandês'', algo que pode causar estranhamento aos fãs do cineasta que estão acostumados com a temática de seus filmes e se deparam aqui com algo que foge dos seus padrões. E mesmo que o longa não seja tão marcante e inesquecível quanto essas grandes obras-primas citadas acima, ''Silêncio'' ainda assim é uma experiência fora do comum e traz em vários momentos o brilhantismo da direção de Scorsese. 





O longa se passa no século 17, onde os padres jesuítas Sebastião Rodrigues (Andrew Garfield) e Francisco Garrpe (Adam Driver) decidem embarcar em uma missão até o Japão, com o propósito de resgatar o padre Cristóvão Ferreira (Liam Neeson) que foi dado como desaparecido depois de ser capturado pelos japoneses. Porém, ao chegarem lá, os dois jovens padres terão de enfrentar perseguições e torturas em um lugar onde o maior esforço de seu líder é abolir definitivamente qualquer prática cristã, que é considerado algo completamente proibido e desrespeitoso. 





Recomendar um filme como ''Silêncio'' é uma tarefa cautelosa. Não que o filme seja ruim, o que de fato não é. Mas talvez esse seja o filme menos acessível do diretor para todos os públicos. Ou seja, não é um filme para todo mundo, o que o torna o longa um grande divisor de opiniões. No decorrer de suas longas 2 horas e 41 minutos, o filme apresenta uma narrativa sem pressa para se desenvolver, fazendo isso aos poucos, algo que fará alguns sentirem a duração do filme pesar. Mais do que isso, a própria temática do filme pode ser um dos principais motivos para o longa dividir opiniões. A trama não foi feita para entreter o público, mas sim para gerar discussões e reflexões sobre o seu conteúdo, fazendo com que o filme seja mais uma experiência, como um experimento. A proposta de Scorsese é falar sobre religião, mas também sobre a natureza humana, que é capaz de fazer coisas muito questionáveis quando sente sua fé ser abalada ou contrariada. Não apenas na questão da fé, o longa faz uma reflexão de como uma opinião que se diferencia dos demais pode resultar em danos catastróficos.  A história nos ensina que muitas doutrinas pregam amor e respeito ao próximo, mas gera ações completamente diferentes justamente quando são contrariados, o que é algo difícil de se entender. Assim como paramos para analisar tais acontecimentos, o próprio filme e seu roteiro parecer querer discutir sobre esses temas tão delicados. Não é questão de generalizar, mas, como citado, a própria história está ai para mostrar que muita coisa lamentável já foi feita quando o assunto é crenças religiosas

Outro ponto que talvez não seja fácil para o espectador é que Scorsese nos leva por uma jornada dura, violenta, sombria e dramática, gerando perguntas, mas não fornecendo as respostas, nos deixando completamente iludidos e indefesos diante de várias situações revoltantes. Tratando-se dos temas que o filme aborda, isso até que foi uma jogada inteligente do diretor, afinal, tais perguntas que nos pegamos fazendo durante o filme podem ser aplicadas também na nossa realidade. A própria vida nos deixa com várias perguntas sem respostas e sem nos fazer entender do porque tais acontecimentos acontecem ou aconteceram. Scorsese deixa claro que não planejava um filme fácil. Pelo contrário, nós, o público é que deve parar para pensar sobre o que estamos vendo na tela. 





Martin Scorsese sabe mais uma vez o que fazer e sua talentosa direção extrai o melhor da narrativa e de seu elenco. O diretor faz uso de um belo trabalho com a cinematografia, explorando a beleza dos ambientes, com uma fotografia com tons predominantes mais escuros que nos passa a sensação de desolação e de um clima pesado. A direção utiliza bons planos de câmera, cujo enquadramentos resultam em algumas belíssimas sequências. Praticamente, a trilha sonora é ausente, o que traz maior realismo dramático ao longa. O filme se constrói muito mais através das palavras do que pela ação, em uma narrativa em off, traduzido principalmente os pensamentos do personagem de Andrew Garfield, e em diálogos intensos e, em certos momentos, incômodos. As cenas de violência podem incomodar os mais sensíveis, mas são necessárias para ilustrar um período da história onde ela era frequentemente usada para punir. Como o filme é baseado em relatos reais, Scorsese entende e sabe que tal violência é necessária para narrativa. 

O elenco está muito bem, algo que já se pode esperar de um filme de Martin Scorsese. Andrew Garfield é o principal protagonista da trama. Embora divida a tela com o igualmente talentoso Adam Driver, o roteiro dá maior destaque para ele. É um personagem cheio de conflitos internos, mas completamente agarrado a sua fé e ele precisa viver experiências dolorosas, mas emocionais do que físicas e Andrew dá vida ao personagem com imenso empenho e entrega, sendo uma das atuações mais difíceis e intensas de sua carreira. Já Adam Driver está bem, mas como seu personagem tem pouco tempo em tela, quem rouba a cena é o seu companheiro de cena que é mais bem desenvolvido. Liam Neeson é outro com muito pouco tempo em cena, mas seu personagem é importe e é o que motiva seus protagonistas nessa jornada.  E o elenco japonês sabe transmitir em cena toda a frieza e crueldade do povo oriental nesse período. Cheio de atores e atrizes talentosos, eles cumprem muito bem o seu papel, provocando as mais variadas sensações e sentimentos no público que realmente teme pela vida dos demais personagens em suas mãos. Destaque para o personagem vivido por Yosuke Kubozura, cuja mistura de covardia e arrependimento faz com que muitos amem e odeie o personagem. Ao analisar atentamente o filme, o roteiro faz algumas alusões e referências a Bíblia, como a traição de Jesus por Judas em troca de moedas e até mesmo as tentações e provações vividas pelo próprio Cristo. Por se tratar de um filme com temas religiosos, Scorsese insere de forma implícita essas referências ao livro sagrado. 




''Silêncio'' não é o melhor trabalho do diretor Martin Scorsese, mas também está longe de ser um filme ruim. Ele levanta discussões e questionamentos que vão além de seus personagens. São questionamentos e reflexões que fazem parte também de quem assiste. Mais do que isso, é um filme que fala sobre o poder da fé e da ignorância daqueles que não conseguem ou não são capazes de aceitar as escolhas de outros. E o mais triste disso é saber que vários anos se passaram e muita coisa permanece igual. Não é apenas a questão de fé, religião e crença, ''Silêncio'' fala da falta de humanidade, e isso talvez seja o problema mais grave de todos. Um filme duro, visceral e impactante, porém, cheio de relevância. E são as atuações e principalmente a visão pessoal e intima de Martin Scorsese que fazem com que o longa mereça ser visto nem que seja uma vez na vida. É uma experiência que martela na cabeça ao final de sua projeção, sendo difícil de sair indiferente do que acabou de ser visto. Sem dúvidas, não é um filme para todo mundo, mas para quem se interessar em conferir, vale a pena a viagem. Assista com o coração e a alma abertos e procure prestar a atenção no que a história quer te passar. 

Nota: ★★★★★★★ 7







SILÊNCIO (SILENCE - 2016) - Drama histórico, 161 Minutos. PRODUZIDO E DIRIGIDO POR: Martin Scorsese - ELENCO: Andrew Garfield, Adam Driver, Liam Neeson, Ciarán Hinds, Tadanobu Asano, Shinya Tsukamoto, Issey Ogata, Yosuke Kubozuka. CLASSIFICAÇÃO: 14 Anos. NOTA NO ROTTEN TOMATOES: 83% 


PRÊMIOS E INDICAÇÕES: 

O filme recebeu 1 indicação ao Oscar na categoria:

Melhor Fotografia 


CURIOSIDADE: 

Esse é o terceiro filme do diretor Martin Scorsese que lida com temas religiosos. Os anteriores foram ''A última tentação de Cristo'' de 1988 e ''Kundum'' de 1997

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