Boyhood: Da infância à juventude (2014) - Análise - A vida como ela é!
Por: Rudnei Ferreira
O cineasta americano Richard Linklater é famoso no mundo do cinema por conta de seus filmes que exploram o comportamento e as relações humanas. Isso fica mais do que evidente ao assistirmos aos seus filmes mais famosos como a trilogia ''Antes'', composta pelos longas ''Antes do amanhecer'' (1995), ''Antes do por do sol'' (2004) e ''Antes da meia-noite'' (2013), além de ''Escola do Rock'' de 2003 e o mais recente ''Cadê você, Bernadette?'' de 2019. Porém, mesmo enquanto comandava esses filmes, com exceção de ''Cadê você, Bernadette?'' que veio depois, o diretor trabalhava naquele que pode ser considerado seu projeto mais ambicioso e um dos pontos altos em sua carreira quando se fala no seu estilo de contar histórias cujo o fator humano é bem forte.
Estou falando de ''Boyhood'', um filme lançado em 2014, mas que começou a ser filmado em 2002. Ou seja, o longa foi rodado ao longo de 12 anos, sendo atualmente um dos filmes com o maior tempo de produção. 12 anos rodando um filme. Poucos diretores teriam essa coragem. E isso resultou em uma experiência cinematográfica única, original e diferenciada que vale muito a pena ser conferida, analisada e admirada. Com um relativo sucesso de bilheteria, ''Boyhood'' também foi aclamado pela crítica, que o considerou um dos melhores filmes do ano de 2014 e também um dos melhores filmes da década (2010-2020). Com 6 indicações ao Oscar, incluindo Melhor Filme, o longa é realmente fascinante.
O filme nos conta a jornada de vida de Mason (Ellar Coltrane). Desde sua infância até a juventude, onde ele se prepara para ir para a faculdade, testemunhamos vários acontecimentos marcantes em sua vida, como o divórcio dos pais até uma jornada de alto descobertas e sentimentos, tudo isso enquanto compartilhar esses momentos com a mãe (Patrícia Arquette), o pai (Ethan Hawke) e a irmã (Lorelei Linklater).
''Boyhood'' é um filme diferenciado, pois não se trata de apenas um entretenimento. Ao longo de suas quase três horas de duração, o longa fala sobre a vida como ela é, e existem vários acontecimentos que fazem com que o espectador se identifique. Toda a trajetória do protagonista é extremamente realista e tudo o que acontece em sua vida poderia facilmente ser vivida por qualquer pessoa no mundo real. Conforme a história avança, testemunhamos coisas como a infância, o divórcio dos pais e as complicações de um novo relacionamento, a primeira bebida, a primeira namorada ou namorado, ações comuns feitas na adolescência e a preparação para a fase adulta e por ai vai. A jornada de Mason é cheia de altos e baixos, de alegrias e tristezas e questionamentos sobre coisas que acontecem ao seu redor. Vendo isso, é fácil para o espectador se identificar nem que seja com pelo menos uma coisa vivida por ele. Tudo através de um profundo estudo de personagens e das situações mundanas. Mason é facilmente um espelho da realidade e de nós mesmos. E por isso, desde a primeira a última cena, a simpatia por ele é quase que instantânea, pois sua realidade poderia ou pode ser exatamente como a nossa. Tudo isso contado em um longa independente, que não se apressa para contar sua história, o que é muito bom porque tudo o que vemos em cena merece ser desenvolvido e explorado com a devida atenção.
Isso também faz com que muitos veja em ''Boyhood'' um filme sem história e com um ritmo arrastado, o que não é verdade. O roteiro flui naturalmente como a vida e ao acompanhar o personagem principal, nos sentimos quase como se estivéssemos vendo um grande vídeo-tape mostrando a vida de alguém. Como citado, não é um filme feito apenas para entreter. Ele nos faz refletir sobre nossa própria vida e os acontecimentos marcantes que nos envolve. Todo mundo tem uma história para contar sobre si mesmo. E é justamente isso que faz com que o filme seja tão imersivo e interessante, pois a trama nos dá muito para se assemelhar e se identificar. Richard Linklater nos entrega um filme humano e real, com acontecimentos simples, mas cheios de imenso significado. É algo para se sentir e absorver não apenas com os olhos mas também com o coração e a alma.
Não é novidade que a curiosidade de muitos em cima do filme seja justamente o fato do longa ter demorado 12 anos para ficar pronto. Mais do que isso, ver os atores envelhecendo de verdade ao longo da trama é realmente algo muito interessante e inovador. Não apenas isso, é interessante de ver como elementos da cinematografia vão mudando conforme o tempo avança. A passagem de tempo é muito boa e flui com naturalidade, graças ao excelente trabalho feito pela montagem. Não apenas isso, o filme se utiliza de elementos narrativos presentes no roteiro, na trilha sonora e nos diálogos para nos fazer deduzir exatamente em que período de tempo a história está se passando naquele momento. A história não menciona datas, mas para quem souber quando tal filme, tal livro ou tal musica foi lançado, vai saber em qual ano e momento a trama está acontecendo. Isso porque Richard Linklater escolheu filmar aos poucos durante os 12 anos. Portanto, tais elementos como uma música, um filme ou um livro estavam em alta na época em que determinada cena foi rodada.
Mais legal ainda é ver os atores mirins e seus personagens crescerem e envelhecerem de verdade diante de nossos olhos, sem precisar que outros atores os substituíssem. É muito interessante de ver também como suas performances vão mudando ao longo de todo o filme. Não apenas eles, mas também o elenco de apoio vai amadurecendo e passando por mudanças conforme a trama avança. Realmente, é uma das experiências mais legais e diferentes que já se possa ter visto em um filme. Algo que com certeza não se esquece tão cedo. Um ideia genial e inovadora, mostrando que o cinema sempre pode ser capaz de nos surpreender. A direção sensível e natural de Richard Linklater é o que ajuda nesses aspectos realistas, humanos e inovadores do longa. Realmente, algo digno de aplausos e muitos elogios.
Ainda falando do elenco, é elogiável as performances de todos. Ellar Coltrane está ótimo como o protagonista. Ele é um jovem tímido e reservado, mas conquista nossa atenção por causa da sua simpatia, simplicidade e boa presença em cena. A maneira como o ator compõe as características de seu protagonista funciona muito bem e casa perfeitamente com o personagem. Lorelei Linklater é astuta, inteligente e possui carisma suficiente para que sua personagem seja igualmente interessante. Mesmo que a pouca experiência de ambos como atores seja perceptível, eles convencem e entregam boas performances que, como eu disse, casa bem com a proposta de seus personagens. Por outro lado, o elenco adulto é um grande atrativo. Patricia Arquette vive com maestria uma jovem mãe solteira que precisa lidar com a realidade de ser mãe e pai ao mesmo tempo. A atriz dá vida a personagem com muita naturalidade e entrega, algo que lhe garantiu merecidamente um Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante. Ethan Hawke volta mais uma vez a trabalhar com o diretor depois da trilogia ''Antes'' e ele dá um show como um pai amoroso, porém não tão presente, mas que procura sempre compensar isso. Sua evolução no decorrer da trama é algo notável e Ethan faz um excelente trabalho com muito talento, bom humor e carisma. E os demais membros do elenco de apoio não fazem feio, com atuações tão competentes quanto.
''Boyhood'' é uma experiência cinematográfica única, envolvente e cheia de talentos tanto na frente quanto atrás das câmeras. É um retrato realista, honesto e sensível sobre a vida como ela é e todos os seus momentos. Ao conferir, não se deixe levar apenas pelo fato de que o longa levou 12 anos para ficar pronto, mas também por conta da história que é muito boa, bem escrita e muito bem contada. A vida é feita de momentos e no fim, o que importa são as histórias que ficarão para ser contadas. E é nessa premissa que o longa de Richard Linklater acerta em cheio, tornando-se um filme memorável e digno da sua atenção.
Nota: ★★★★★★★★★★ 10
BOYHOOD: DA INFÂNCIA À JUVENTUDE (BOYHOOD - 2014) - Drama, 165 Minutos. / ESCRITO, PRODUZIDO E DIRIGIDO POR: Richard Linklater. - ELENCO: Ellar Coltrane, Lorelei Linklater, Patricia Arquette, Ethan Hawke, Zoe Graham, Marco Perella. CLASSIFICAÇÃO: 14 Anos. NOTA NO ROTTEN TOMATOES: 97%
PRÊMIOS E INDICAÇÕES:
Indicado em 6 categorias do Oscar:
* Melhor Filme
* Melhor Diretor (Richard Linklater)
* Melhor Atriz Coadjuvante (Patricia Arquette)
* Melhor Roteiro Original
* Melhor Edição
Venceu na categoria de Melhor Atriz Coadjuvante
Indicado em 5 categorias no Globo de Ouro:
* Melhor Filme
* Melhor Diretor (Richard Linklater)
* Melhor Ator Coadjuvante (Ethan Hawke)
* Melhor Atriz Coadjuvante (Patricia Arquette)
* Melhor Roteiro
Venceu nas categorias de Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Atriz Coadjuvante.
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