O QUE FICOU PARA TRÁS ( ORIGINAL NETFLIX 2020) - ANÁLISE - UM TERROR INTELIGENTE SOBRE O PODER DEVASTADOR DA CULPA!
Por: Rudnei Ferreira
É de conhecimento de todos que os serviços de Streaming se tornaram uma verdadeira febre para os usuários de conteúdos online. Por conta disso, a Netflix, uma das maiores empresas de entretenimento via Streaming está sempre acrescentando novos conteúdos em sua plataforma. O numero de produções originais da vermelhinha vem crescendo consideravelmente, visando em bater de frente com a concorrência. É certo que nem sempre eles acertam, com produções de conteúdo questionáveis. Mas quando eles acertam, acertam pra valer, e são vários exemplos dentro do catálogo da Netflix que comprova que eles são capazes sim de entregar algo digno de agradar seus usuários. O longa ''O que ficou para trás'', recente lançamento da plataforma, é um ótimo exemplo de mais uma super produção de altíssimo nível. Um terror sobrenatural e psicológico merecedor de estar presente na lista das melhores produções originais da Netflix.
O longa narra o drama de Bol (Sope Dirisu) e Rial (Wunmi Mosaku), um casal natural do Sudão, que decide fugir do seu pais de origem para escapar de uma verdadeira guerra que se alastrou pelo lugar. Os dois tentam uma nova vida no Reino Unido, precisamente na Inglaterra. Porém, o pais e seus costumes soam um pouco estranhos para eles, que tentam se adaptar da melhor maneira possível. Ambos não demoram a perceber que uma série de acontecimentos assustadores estão tomando conta da casa onde moram, o que os fazem chegar a conclusão de que uma assustadora entidade sobrenatural ameaça tirar a paz e o sossego desse jovem casal.
Como o próprio título em português sugere, o longa apresenta uma história com personagens que tentam fugir do seu passado, mas que acabam deixando algo de muito importante para trás. Fala sobre tentar seguir em frente, mas também em como as lembranças podem ser cruéis, acarretando em um grande peso de consciência. Dor, perda, culpa e aceitação são os pontos altos do roteiro, que os aborda em um terror psicológico sobrenatural de altíssima qualidade, sem deixar de tocar em assuntos sérios. Na verdade, cada elemento que o filme trabalha funciona como uma metáfora a essa temática mais realista e cotidiana do roteiro. É uma história que fala sobre os nossos próprios demônios internos e o quanto uma mente marcada pela culpa e pela perda pode gerar situações devastadoras, ao ponto de testar a sanidade mental. A representatividade da cultura negra é bem explorada pelo roteiro, assim como o preconceito, que é descrito de várias maneiras. Seja o preconceito racial, físico e material, está tudo aqui, tudo para gerar discussões sobre a natureza humana através das ações e dos diálogos.
Quanto a parte do terror, o filme chama a atenção por nos entregar algo bem escrito e muito bem desenvolvido e, o melhor de tudo, diferenciado e em certos pontos, criativo e inovador. Uma coisa legal de se ver é que, por mais que seja um filme de terror sobrenatural, o roteiro não apela para sustos fáceis ou para os clichês batidos do gênero. Claro que existem momentos para os sustos acontecerem e acredite, são momentos bem assustadores e que causam um arrepio na espinha, mas que surtem o efeito desejado por causa da ótima atmosfera de mistérios e dúvidas brilhantemente bem construída. O diretor formula essas cenas para que a maioria dos sustos aconteçam de maneira inesperada, sem apelar para uma parada repentina ou um som mais alto da trilha sonora. O filme não está completamente isento de um clichê, mas ele procura ser criativo e diferente na maioria das situações, o que é sempre muito bom e bem vindo.
O longa conta com uma direção inspiradíssima de Remi Weekes que sabe extrair o melhor de todos os aspectos do filme. É incrível como ele consegue nos despertar as mais variadas sensações e sentimentos ao longo da projeção, seja em um momento mais dramático e realista quanto no momento que o terror sobrenatural toma conta da tela. A fotografia tem um papel muito importante aqui, pois ela ilustra bem os vários tons e climas no decorrer da história e os efeitos visuais são muito bons, sem parecerem exagerados, usados como um recurso narrativo valioso e não apenas para vender o filme somente por isso. Os movimentos de câmera fazem grande diferença na construção da atmosfera, mostrando o necessário para causar aquela sensação arrepiante no espectador. A própria casa onde os protagonistas vão morar, com seus ares de velha, acabada e sombria, passa a sensação inquietante de guardar mistérios assustadores em cada um de seus cantos. A edição de som, muito bem desenvolvida, é de grande importância para nos garantir aquele susto. O resultado, como todo o resto, é satisfatório. A carga espiritual presente na trama é muito importante para que a história tenha sua relevância.
Sope Dirisu e Wonmi Mosako entregam atuações de peso e estão ótimos como um casal atormentado pelos fantasmas do passado. Eles convencem em seus dramas pessoais e cada expressão e reação que esboçam são genuínas. Sope Dirisu é o que merece mais elogios, pois o arco narrativo de seu protagonista é forte e cheio de camadas, resultando em um personagem misterioso e bem apresentado. A dupla traduz bem toda a premissa em torno do casal, graças as atuações entregues e carregadas de sentimentalismo e verdade e também com méritos do ótimo roteiro que os desenvolvem muito bem.
''O que ficou para trás'' é um conto dramático e realista disfarçado de terror psicológico sobrenatural. Aborda causa e consequência e como algumas decisões são irreversíveis, definindo os caminhos de nossas vidas. De tão bem feito em todos os seus aspectos visuais e narrativos, o longa da Netflix merece ser considerado um dos melhores filmes desse conturbado ano de 2020. Um grandioso acerto do serviço de Streaming que merece ser visto e revisto.
Nota: ★★★★★★★★★ 9
O QUE FICOU PARA TRÁS (HIS HOUSE - 2020) - Terror/Suspense/Drama, 93 Minutos. / DIREÇÃO: Remi Weekes. - ELENCO: Wunmi Mosako, Sope Dirisu, Matt Smith, Javier Botet. CLASSIFICAÇÃO: 18 Anos.
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